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Piketty e a desigualdade global – por Leonardo Foletto

Nos últimos meses, muita gente tem falado do economista francês Thomas Piketty e de seu livro, “O Capital no Século XXI“, lançado no final do ano passado em francês e neste ano em inglês. Barack Obama e seus asseclas, maravilhados com o poder da obra, convidaram o cara pra uma “tour” pelos EUA. Resenhas e mais resenhas do livro têm sido publicadas em revistas, sites, jornais, em especial nos países de língua inglesa, onde até na TV o livro tem aparecido, inclusive explicado na forma de infográfico, como mostra esse vídeo. Dizem que até uma certa candidata a governadora do RS andou citando o livro em recente atuação parlamentar em Brasília.

O burburinho em torno da obra é tanto que inclusive eu, que estou longe de ser especialista no assunto, resolvi encarar algumas várias resenhas do livro para entender de que diacho ela fala – já que, por hora, não estou com tempo para fazer a leitura integral do livro em inglês, com mais de 700 páginas. A melhor “introdução” que achei pras ideias de “O Capital no século XXI”, foi este texto publicado na sempre interessante revista Piauí, “Piketty e nós”, escrito pelo sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador do IPEA, professor da UnB e autor de “O que faz os ricos ricos: o outro lado da desigualdade brasileira”.

Tido por alguns – só o tempo dirá se com exagero – como o novo “O Capital”, de Marx, a obra de Piketty é feita a partir de uma pesquisa empírica coletiva de quase 20 anos com informações sobre tributos, heranças e salários de alguns países (Brasil não incluído), mas também com referências à história e a literatura. Densa, complexa, cheia de detalhes, ela (não) pode ser resumida nesses dois parágrafos do texto de Medeiros:

“Em todo o mundo, o capital é muito concentrado nas mãos de poucas pessoas; tal riqueza gera renda, na forma de aluguéis, dividendos, retornos financeiros – e a concentração aumenta ainda mais toda vez que esse rendimento do capital ultrapassa o crescimento da economia. Quando a concentração aumenta muito, começa a sobrar dinheiro. Algumas pessoas que não são capitalistas, como os executivos das empresas, têm maior facilidade para se apropriar desse dinheiro e fazem isso assim que possível, o que cria os supersalários dos trabalhadores ricos. Mas esses trabalhadores ricos não consomem tudo o que ganham, investem o que poupam e tornam-se também capitalistas. Como apenas uma parte do dinheiro que ganham vira consumo, a parte que chega aos trabalhadores mais pobres é ainda menor. Os mecanismos de acumulação são tão fortes, e os mecanismos de redistribuição tão fracos, que esse ciclo se repete indefinidamente se não houver algum tipo de intervenção”.

“A desigualdade, diz Piketty, crescerá se a taxa de crescimento do capital – se os seus rendimentos – for maior que a taxa de crescimento das outras rendas, como as do trabalho. Ou seja, se uma parte muito concentrada da economia, o capital, crescer mais rápido que a parte bem menos concentrada, o trabalho, o resultado final será um aumento na desigualdade total.”

O que está acontecendo hoje é que essa taxa de crescimento do capital – entendido aqui como riqueza que gera mais riqueza, capaz de se reproduzir, tipo aplicações financeiras, lucros comerciais, aplicações em fundos de pensão e aluguéis – está três vezes maior que a de crescimento da economia mundial, a renda do trabalho, por exemplo. Ao contrário do que pregavam muitos defensores do capitalismo, o bolo não está sendo dividido para todos, a riqueza mundial não está proporcionando riqueza, de fato, para todos. E ninguém sabe onde isso vai parar, disse Piketty recentemente, no Instituto de Política Econômica dos Estados Unidos, um dos mais destacados centros de pesquisa econômica do país.

Embora trate da realidade dos Estados Unidos e de países europeus, de onde conseguiu os dados do imposto de renda que fundamentam a história da riqueza na obra, sabemos que a desigualdade no Brasil é tão desigual quanto em muitos outros países: o 1% mais rico dos trabalhadores detém quase 17% de toda a renda do país, segundo o Censo do último IBGE, contra 19% nos Estados Unidos. Não é a toa que o movimento Occupy Wall Street cravou sua bandeira no coração financeiro do mundo e popularizou a expressão  “Nós somos o 99%”

Claro que, como toda obra importante e polêmica, “O Capital no Século XXI”, tem recebido muitas críticas – vale ler, em especial, esta de David Harvey, renomado professor britânico e profundo conhecedor da obra de Marx. Os antídotos propostos por Piketty para acabar com a desigualdade e a maior concentração de riqueza levam a uma defesa cuidadosa dos impostos sobre a herança, a taxação progressiva e um imposto global sobre a riqueza – estratégias que andam sendo discutidas fortemente nos Estados Unidos, mas que, como diz Harvey, é quase certo que sejam inviáveis politicamente a nível global. Medeiros diz que as propostas do livro não são resultado de um debate tão longo, nem contaram com o apoio de uma equipe tão ampla e qualificada quanto a que fez o diagnóstico da dinâmica da desigualdade. Por conta disso, defende ele, o livro é bom para identificar o problema, mas nem tanto para encaminhar soluções.

Confesso que, na minha visão de não-especialista do assunto, ter uma obra que identifique com clareza e argumentos críveis os mecanismos da desigualdade econômica global, tanto matemáticos quanto históricos, já está de bom tamanho.

P.S: O livro está sendo traduzido para o português “brasileiro” e será publicado pela Editora Intrínseca (http://www.intrinseca.com.br/site/2014/05/piketty-na-intrinseca/)

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