A “nova” revolução industrial dos fazedores – por Leonardo Foletto
“Imagine um mundo onde as fábricas desaparecem. Imagine que cada bairro, edifício ou incluso sua casa tenha uma minifábrica que constrói os objetos necessários para viver. Imagine que estas fábricas low cost constroem apenas os objetos que os vizinhos necessitam. E que é a mesma máquina – uma impressora 3D – que constrói os objetos. Imagine que uma rede de impressoras 3D utilize software livre e que seus usuários melhoram o funcionamento coletivamente com mecanismos transparentes.”
Ficção científica? Pura imaginação? Pois saiba que a paisagem descrita acima já é, em parte, realidade. Estas minifábricas tem o nome de fablabs e já estão tornando possível a fabricação com eficiência bens que até recentemente só podiam sair de grandes unidades fabris. Sua história começou assim, esta matéria assinada pela francesa Sabine Blanc no Le Monde Diplomatique: ”Em 1998, o físico norte-americano Neil Gershenfeld criou um curso intitulado Como fabricar (quase) qualquer coisa”, incluindo sessões sobre a concepção de protótipos para ajudar os alunos na elaboração de seus projetos de pesquisa. Para isso, eles dispunham de todo um aparato de meios de fabricação digital, em particular máquinas-ferramentas que, ao aplicarem camadas de plástico umas sobre as outras, transformam um arquivo em um objeto bastante real – cortador a laser capaz de talhar madeira ou ferro, fresa digital etc. Os alunos adoraram, a ponto de voltar ao laboratório nas horas vagas para ali dar asas à imaginação criativa e transformar em realidade seus próprios projetos.”
O lance de gênio do professor foi estruturar esse artesanato altamente tecnológico criando em 2002 o conceito de fab lab (fabrication laboratory), com portal, logotipo, termos de uso, comunidade etc. Esse leve verniz de marketing contribuiu para seu crescimento, impondo uma “marca” de referência.
Concebido para facilitar o acesso às máquinas, o primeiro fab lab era reservado aos estudantes. Mas rapidamente a porta se abriu, ampliando o acesso e contribuindo para democratizar a fabricação digital pessoal em escala mundial. Assim, a confecção de protótipos, apanágio da indústria e de especialistas como designers, passava a ser acessível também a particulares. E os trabalhos manuais, muitas vezes vistos como uma tarefa entediante, tornavam-se atraentes. E potencialmente subversivos. É como a realização do velho sonho de Marx de reapropriar-se dos meios de produção.
Além do primeiro protótipo de Neil Gershenfeld para o MIT, existe uma centena de fablabs em todo o mundo. Na Espanha, existem em Barcelona (veja este vídeo e comprove), Valladura, Madrid, Bermeo, León e Sevilla, segundo conta Gutierrez. Na América Latina, existem em Lima, Medellín e na Costa Rica. Países como Namíbia, Índia, Áfria do Sul, Gana e Afeganistão contam com seus fablabs.
E no Brasil, o primeiro Fablab criado é em SP, instalado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em dezembro de 2011, através do grupo de estudos DIGI FAB, coordenado pelo Prof. Paulo Eduardo Fonseca de Campos. Existe um portal bem completo de fablabs por aqui, com informações úteis sobre se tornar um, sobre a rede internacional já estabelecida, que tem uma centena de pontos “oficiais” e 6 pontos no Brasil, inclusive um no Rio Grande do Sul, o Fablab São Leopoldo, ligado à Unisinos.
“Estamos falando de criar, mais do que de consumir“, diz o criador Gershenfeld, na contramão da lógica econômica que, sabemos, elegeu o crescimento e o consumo como dogmas indestrutíveis e inelutáveis.
Quer um exemplo de como isso já funciona? Seu botão da máquina de lavar não funciona? Com a ajuda de um programa (software) de concepção assistida por computador (CAC) você faz um desenho, um pequeno projeto e, em seguida, a impressora 3-D modela o material e produz o objeto tangível. Outra: Você precisa de uma prateleira para sua casa que não encontra em nenhuma loja? Simples: você compra a madeira e fabrica a prateleira sob medida, com a ajuda de uma serra a laser. Com o “detalhe” que, depois que o objeto estiver pronto, é possível compartilhar os desenhos e projetos pela internet com outros utilizadores, que podem fazer sugestões ou melhorias, dando assim vida ao produto, depois da fabricação – tal qual acontece no trabalho com o software (e com a cultura) livre.
Estaria aí o esboço de uma política econômica que provocaria um curto-circuito na indústria tradicional? O tempo dirá.
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