Artigos

Marcas profundas – por Bianca Zasso

biancaQuando um cineasta opta por ter em seus filmes cenas impactantes, sejam elas de violência ou de sexo, é preciso estar preparado para que o interesse de uma parcela do público esteja mais para esses pequenos detalhes do que para o todo. Todos sabemos: muita gente paga o ingresso do cinema para ver de perto uma cena em si, comentada aos quatro ventos muitas vezes antes do próprio lançamento da obra, do que para se deliciar com uma história inteira.

O roteirista pernambucano Hilton Lacerda é um homem de cenas fortes. Em seu currículo estão, entre outros, as produções Augustas, de Francisco César Filho e Amarelo Manga, de Cláudio Assis, este último seu parceiro desde o início de carreira. Depois de dividir a direção com o conterrâneo Lírio Ferreira no belo documentário Cartola – Música para os olhos, Lacerda decidiu comandar a câmera sozinho. E criou um dos mais inquietantes e românticos filmes brasileiros da atualidade.

Tatuagem, lançado em 2013, foi o grande vencedor do Festival de Gramado e, desde suas primeiras exibições, chamou a atenção do público e da crítica. Exibido em poucas salas, uma tristeza vivida por muitos dos filmes do nosso país, muitas filas se formaram para ver a história de amor entre dois homens de mundos aparentemente distantes. Clécio Wanderley, interpretado lindamente por Irandhir Santos, é o diretor do Chão de Estrelas, uma espécie de cabaré revolucionário que apresenta esquetes controversas para o ano em que a história se passa, 1978. As apresentações são um deleite dionisíaco, onde o prazer é a forma encontrada para vencer a censura e as proibições da ditadura.

Neste universo de cores, corpos e máscaras encontramos Arlindo, um jovem soldado conhecido pelo apelido de Fininha. Mesmo engraxando os coturnos e respeitando as ordens dos generais, ele se deixa seduzir pelo novo mundo que o Chão de Estrelas lhe apresenta. E Clécio é a porta de entrada. Mais que um desejo incontrolável, nasce ali um sentimento que envolve novidade, paixão e culpa. Isso porque Fininha namora a irmã de Paulete, um dos integrantes da trupe. Vale destacar que este personagem como uma síntese do grupo. Paulete é devasso, alegre, libertário. A interpretação na medida, que nunca cai no caricato do ator Rodrigo García colabora para que o público simpatize desde a sua primeira aparição na tela.

Tatuagem é difícil de ser definido. Fala de ditadura, mas não é didático como outras produções sobre o tema. Fala de teatro, de liberação sexual, de criatividade. Questiona o governo militar de uma forma sutil, como no caso da personagem Deusa, que tem um filho com Clécio. Seu medo não é que o filho ande com a trupe de artistas, mas com Fininha, o símbolo do exército naquele mundo paralelo que é o Chão de estrelas. Soldado não, revolucionários sim.

Porém, o que fala mais alto em Tatuagem é o amor, um tipo de amor pouco explorado com delicadeza pela arte. Dois homens vivendo um romance que torna-se proibido não pelo seu conteúdo, mas pelo mundo que o cerca. São tantos os desafios que fica a dúvida: seguir junto ou partir? Clécio e Fininha, que Jesuíta Barbosa vive com maestria, protagonizam algumas das cenas mais tocantes já vistas em telas brasileiras.

A interpretação da canção “Esse cara” que Irandhir Santos faz é de um encantamento único. Aliás, a música em Tatuagem não solta. Dita o ritmo, diverte e vai além, proporcionando algumas apresentações que poderiam ser exibidas à parte, tal a sua qualidade. DJ Dolores assina a trilha sonora e prova que, para além das ótimas festas, sabe dar som à um filme.

Tatuagem marca quem o assiste. É impossível fica imune a uma paixão como a de Clécio e Fininha e não se deixar levar pelo pique do Chão de estrelas. Hilton Lacerda acertou a mão em sua estreia como diretor. Se bem que é um filme de equipe, onde cada sequência deixa claro a colaboração de cada integrante. Uma massa homogênea e bem temperada. Que fica na pele e na mente.

Tatuagem

Ano: 2013

Direção: Hilton Lacerda

Disponível em DVD e Blu-Ray

 

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Um Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo