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MEMÓRIA (2). O incrível dia em que o Marcuzzo transmitiu futebol e cansou de ouvir palavrões

Poucos talvez saibam que Clementino Marcuzzo (foto) – morto ontem e que será sepultado daqui a pouco, em Vale Vêneto – é jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Maria. E de uma época pra lá de turbulenta, do ponto de vista político. Foi entre 1976 e 1979. Foi para relembrar aquele momento, numa espécie de homenagem a uma geração de profissionais que com ele conviveram, que pedi um depoimento ao meu amigo Clélio Dal Piaz.

 

O Clélio foi colega de faculdade do Marcuzzo. Desde o início dos anos 80 circula entre Seara e Concórdia, no oeste catarinense, onde estabeleceu uma sólida e bem sucedida carreira profissional. Deu um tempo em 2000, ano em que atuou em Santa Maria, no jornal A Razão e na Rádio Santamariense – como Superintendente da Empresa Jornalística De Grandi Ltda, 

 

É do Clélio o texto que você lerá a seguir. E que conta histórias do Clementino Marcuzzo que, com certeza, farão muita gente lembrar como eram a Universidade e o jornalismo da boca do monte, no fim dos 70. Vale a pena conferir, garanto. Acompanhe:

 

“No centro da foto, Padre Clementino

 

Por Clélio Dal Piaz

 

Primeiro dia de aula na Comunicação Social, 1976, ainda no prédio da antiga reitoria, no  centro de Santa Maria. Na turma de meninos e meninas, um senhor mais experiente, já com seus 50 anos. Sentado na primeira fila, o Padre Clementino Marcuzzo nem se importa muito com a ameaça feita aos marmanjos, a do corte raso de cabelos. Brincadeirinha dos veteranos. A tradição do trote na Comunicação é mais cultural; ainda assim, com uma caminhada, em fila indiana, pelas cercanias.

 

Tempo de luta contra o AI-5, pela volta da eleição direta nos diretórios acadêmicos e no Diretório Central de Estudantes, pela liberdade de organização e de expressão. O Padre Clementino não se mete nessas encrencas. Ele e mais algumas meninas são, digamos, do grupo “neutro”.

 

Na turma eclética – um padre, um policial federal, um radialista já famoso, filhinhas de papai, gente de perto e de longe -, convivem satisfeitos e  indiferentes, engajados e lutadores. E gente que tem espaço e bandeiras próprias, como o Padre Clementino. Na agenda do sacerdote acadêmico, coisas da Quarta Colônia Italiana,  eventos religiosos e culturais.

 

Cumpridor dos deveres de universitário e bom companheiro, Padre Clementino não concorda com o burburinho que vem do fundo, reclama e depois se dá por vencido. Não o professor de Estudo de Problemas Brasileiros que tira da sala um bagunceiro em cada encontro. No caso, bagunceiro era qualquer um que discordasse das afirmativas no melhor enredo do “meu Brasil, eu te amo” Ele, o professor, quer, na verdade, o estudo dos “não problemas”. 

 

Lá pela fase final do curso, na disciplina de rádio, um grupo de alunos, estimulado pelo professor Quintino Oliveira, se aventura à transmissão, em circuito interno, de um jogo de futebol – Riograndense x Santa Cruz. O experiente Clementino Marcuzzo é escalado para ser o repórter de torcida. Posto montado, microfone em punho, lá está ele, pronto para os chamados do narrador José Woitechumas. Clementino, o padre, sofre, sofre com palavrões de torcedores dispostos a resolver o jogo no grito. É demais para os ouvidos sensíveis, acostumados às palavras mais doces e evangelizadoras. Pelo meio da partida, ele praticamente desiste. 

 

Remexo esta noite o álbum de formatura. E ele, Padre Clementino, está no centro da turma, na fila do meio, três colegas à esquerda, três à direita. Na frente, o deputado federal João Gilberto Lucas Coelho, o paraninfo. No alto, Cândido Otto da Luz.  Sorriso comedido, cabelo mais curto que o dos colegas,  Clementino Marcuzzo  tem o olhar sereno de um vencedor.

 

Esta a imagem que guardo do Padre Clementino, um homem tranqüilo, como naquela noite de apresentação ao mundo universitário em 1976, de ideais, envolvido e comprometido. Ele deu o recado e deixou o legado. Será lembrado por isso.”

 

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