Primavera: cores, aromas e afetividades – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa
Sejamos como a primavera que renasce cada dia mais bela… Exatamente porque nunca são as mesmas flores. (Clarice Lispector)
A estação da primavera remete-nos ao mundo cromático das flores e seus singulares aromas. Estação de temperatura amena. Na primavera as árvores adquirem uma nova roupagem. Emerge triunfante o verde das folhas que se precipitaram na terra durante o inverno. Primavera é tempo de despontar para vida. Primavera é tempo de emergência da beleza. Os Ipês, roxo e amarelo, formam um lindo tapete multicromático em minha rua e, com os rastros e restos do inverno antecipam, em nossas pupilas as mais singelas formas do belo que a natureza é capaz de produzir e nos manifestar.
Os Ipês que emergem nos dias derradeiros do inverno formam o prelúdio para que nossa alma faça a travessia e prepare-se, ansiosa e perplexa, à emergência de um novo tempo onde os raios de luzes carrearão aconchego, faceirice e esperança. As cores, aromas e as amenas temperaturas da primavera harmonizam e dialetizam com o deambular de lindas musas que tomam conta e dão brilho a todo nosso espaço urbano. Cores intensas e vibrantes da aurora constituem um magnânimo espetáculo, no horizonte finito, que intercala no devir temporal o brilho estelar, o girar da lua na imensidão da noite com o esplendor solar no raiar de um novo dia.
Assim é a primavera, medeia gélidos e nebulosos dias de inverno com o calor e serpentear agitado e feliz das pessoas tomando conta das ruas em quentes dias de verão. A vida humana, segundo Heráclito de Éfiso, é mutação, fluir, transformação e mudanças, assim o é, também, a primavera. É emergir, brotar, florir, em síntese, é o espetáculo da vida biológica e social. Ao falar no ser humano podemos dizer que o nosso vir-a-ser outro, no perene fluir da História, é fundado pela relação dialética com os demais seres sociais e nossa profícua relação com o exuberante mundo concreto da natureza.
Nossa práxis é definidora de nossa forma de ser e da forma de ser que podemos nos tornar. Neste contexto, atrevo-me em questionar: que aprendizados estamos fazendo em nossas vivências com os outros e como o belo que os elementos do mundo da natureza podem contribuir para que sejamos, ontologicamente, seres humanos melhores? Será que o belo e o efêmero que a primavera propicia não pode nos auxiliar para mobilizarmos o rico mundo de emoções e sentimentos que nos identifica como humanos?
Neste contexto de um mundo pragmático, será que estamos, de forma generosa, fazendo jus à riqueza de nossa função mental que circunscreve nosso singular mundo de afetos? Ao amanhecer o primeiro dia de primavera, aqui nas bandas do hemisfério sul e no coração do rio grande, com um sol radiante e explicitando o intenso e lindo espectro cromático que a natureza nos saúda como um verdadeiro banquete e enamorado por essa beleza meus pensamentos levaram-me a refletir sobre a vida e uma amorosa questão surgiu-me: como anda, neste mundo aligeirado e louco, o espaço que damos para as afetividades?
A disputa é tão severa e grande em todas as esferas da vida e, principalmente, no mercado de trabalho que parece que nossas afetividades cabem na mochila do currículo que carregamos para competir e vencer os outros neste mundo onde impera sublime o sagrado mercado das trocas. Vivemos fazendo coisas que nos são úteis. Parece que aquilo que não possui uma utilidade pragmática não tem mais interesse nessa forma de vida social que prioriza a competição fria e egoísta entre as pessoas nessa sociedade onde a acumulação de bens materiais e riqueza é o que conta.
Nas Universidades de uma forma geral e na UFSM de forma particular, hoje em dia a preocupação das pessoas é “engordar” o chamado Currículo Lates. Todos os setores estabelecem um ranking de competitividade e isso implica mais dinheiro. A Universidade está, via avaliação da CAPES, implantando o tripé neoliberal da produtividade, eficiência e competitividade.
Se nossas Universidades que são um privilegiado lugar de produção de todas as formas do conhecimento universal das áreas das ciências e das artes está gerando seres estressados o que resta para as demais esferas sociais? A produção do conhecimento é para gerar prazer, satisfação e o bem para a humanidade e não patologia. Mas há uma esperança no fim do túnel. A beleza e a sensualidade da natureza e das diferentes linguagens das artes pode vencer a filosofia egoísta da sociedade da competição que é governada pela dinâmica da ideologia do capital.
A primavera com suas exuberantes cores e aromas é um bom tempo para refletirmos o que estamos fazendo com nossa finita vida nesse mundo. O grande psicanalista francês Jacques Lacan afirmou que: o amor de uns tempos para cá desengatou da beleza. Retiramos do sujeito seu desejo e em troca, mandamos para o mercado, onde ele se incorpora ao leilão geral. Para eliminarmos a fetichização da vida causada pela “dança teleológica enlouquecida das mercadorias” que sustenta a vida do mantra capital e fazer seu reencantamento tenhamos mais tempo e afeto com os outros, admiremos o belo e curtamos mais as diferentes linguagens das artes.
A emergência da primavera é um bom tempo, pois com ela facilita o aparecimento de cores, aromas, seduções e afetividades. Ovacionemos o belo e façamos apologia a vida. É tempo de colocarmos oferendas no oráculo de Afrodite e Eros.
ATENÇÃO
1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.
2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.
3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.
4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.
5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.
OBSERVAÇÃO FINAL:
A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.