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Bicho como gente – por Liliana de Oliveira

Dia 4 de março de 2015. Jornal do Almoço noticia dois homicídios. Duas histórias diferentes, mas que guardam semelhanças.  Nelas há crianças mortas, uma pela mãe e outra pelo padrasto. Triste notícia. Triste pensar que aqueles que deveriam zelar por elas são exatamente aqueles que atentam contra suas vidas. Depois de noticiar essas histórias, a apresentadora do telejornal noticia outra história como sendo exemplo de solidariedade para as anteriores. E o exemplo era dado por uma cadela que havia adotado filhotes de um cachorro de outra raça. Fiquei pensando.

Logo depois, no telejornal da tarde na mesma emissora, outra notícia. Noticiaram a história de um homem que tratava sua ovelha como se fosse uma filha. A ovelha Madona era tratada como filha, usava perfume, roupas até que um dia foi seqüestrada. Mostraram seu dono (ou seria seu pai?) indo registrar boletim de ocorrência na polícia. Disse que amava Madona, que já havia perdido namoradas em função dela e que se tivesse os dez mil reais pedidos pelos seqüestradores teria dado. Disse mais, disse que daria tudo para tê-la de volta. Fiquei pensando.

Nas redes sociais é freqüente ver pessoas declararem que preferem os animais às pessoas. Muitos indicam que preferem os animais porque esses são verdadeiros, fiéis e mais confiáveis do que as pessoas. Evidente que animais são incapazes de trair ou fazer o mal, e isso ocorre não porque sejam bons, mas porque não têm a capacidade de raciocinar. Só um ser que tem a capacidade de calcular, raciocinar é capaz de cometer homicídio, traição, intriga, etc. Somente os homens que são seres de linguagem, articulam signos, isto é, pensam é que são capazes de realizar uma ação visando a um fim.

Fiquei pensando que a carência humana parece ter chegado ao seu limite. Achar que uma cadela ao adotar outros cães está sendo solidária e que devemos aprender com ela e achar que a história de um homem apaixonado por sua ovelha a ponto de tratá-la como um ente querido é comovente revela muito sobre nós.

Solidariedade é um ato de bondade com o próximo que pressupõe empatia. Humanos podem ser solidários, animais não. Pelo menos, não no mesmo sentido que nos referimos à solidariedade humana. Revelador acharmos que os animais podem nos dar lição de solidariedade.

Revelador se comover com os animais e tratá-los como pessoas. Sim, há mendigos que sabendo que sua condição não comove as pessoas, adotam cães e saem com seus cães mendigando. As pessoas se comovem com os cães, não com os mendigos. As pessoas se comovem com o cavalo, mas não com o trabalhador que recolhe o lixo na chuva. Revelador tratar pessoas como animais e animais como pessoas.

Revelador preferir se relacionar com animais. Afinal, animais não exigem, não cobram, não falam, não pensam. Apenas existem. Talvez seja isso, talvez desejemos relações com seres que existam e sequer tenham consciência da própria existência.

Não estou dizendo que não tenhamos que ter animais e amá-los. Estou dizendo apenas que devemos amá-los como bichos que são. Tratá-los como bichos que são.  Será mesmo que o mundo anda tão estranho que precisamos lembrar às pessoas que pessoas são pessoas e animais são animais? Sigo pensando.

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