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Um amor e uma caminhonete – por Bianca Zasso

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Comédia romântica. Que não tem a sua preferida que ative o primeiro lencinho. O gênero que a mídia insiste em associar às mulheres existe desde os primórdios do cinema. Nos anos 90, a comédia tirou umas férias e o que se viu foi uma série de filmes onde o romantismo era sinônimo de clichês e situações que só emocionam mulheres com menos de 15 anos em dias de extrema sensibilidade.

Já deu para perceber que esta que vos escreve é chata. Prefiro dizer que sou exigente, mas quem quiser achar chatice, sinta-se à vontade. Desde 2003, elegi como minha comédia romântica preferida Harry e Sally- Feitos um para o outro, de Rob Reiner. Porém, agora meu coração mudou de dono.

Com o lançamento no Brasil de Minnie e Moskowitz, de John Cassavetes, eu e muitos outros cinéfilos descobrimos o que é realmente uma comédia romântica. Minnie, uma curadora de arte que leva um fora do amante, não é uma mocinha comum. Primeiro, porque mocinhas não existem. Minnie é uma mulher complexa como o termo pede, interpretada com perfeição pela sempre maravilhosa Gena Rowlands. O mocinho é o extravagante e inocente Moskowitz, um manobrista que leva a vida entre a casa da mãe e os bares da vida. Seu objetivo? No começo, parece ser a sobrevivência, mas logo nos deparamos com um homem em busca do amor.

Tanto Minnie quanto Moskowitz são errantes, assim como nós. Há quem caracterize esses personagens de Cassavetes como excêntricos ou bizarros. Para os detentores desta opinião, recomendo observar a vida com mais atenção. Histórias de amor que exalam magia, onde toca a música certa na hora certa e onde os encaixes são perfeitos desde o primeiro segundo, são uma chatice. O imprevisível é a base do amor. Se tudo acontecesse do modo como sonhamos, não haverá espaço para o friozinho na barriga e a falta de palavras.

Minnie e Moskowitz tem o romance mais puro, que é aquele que acontece no acaso. O que nos toca no filme de Cassavetes é a capacidade como sua câmera não precisa de grandes movimentos ou efeitos mirabolantes para contaminar a cena de sentimento. Num dos momentos mais tocantes do filme, Minnie, ainda incrédula por seu interesse em Moskowitz, é convidada para dançar com ele no estacionamento de um clube. A música vem do rádio da caminhonete. Sem roupas de gala. Sem champanhe. Sem flores. Lindo e inesquecível.

Óbvio que o talento de Gena e Seymour Cassel colaboram para a intensidade da cena, mas nenhum diretor conseguiria o mesmo resultado de Cassavetes. Isso porque seu interesse está no humano, nas neuras que conduzem nossos dias, na intimidade da cara amassada pela manhã e no constrangimento do almoço de apresentação da família. A sequência em que as mães dos protagonistas se encontram, rendem gargalhadas em todas as idades e é acentuada pelo fato de que as duas senhoras são interpretadas pela sogra de Gena, Katherine Cassavetes, e pela própria mãe da atriz, Lady Rowlands. O cinema de família de Cassavetes mostra seu poder de ser bom, bonito e barato.

Acredito que a partir do momento em que as mulheres (ou parte delas) aprenderem que contos de fada são para embalar bebês e não guiar vidas, as comédias românticas irão mudar de rumo.  A insossa Jennifer Aniston e suas piadinhas bobas entre um bonitão e outro irão sair de cena e cobiçaremos mais os volumosos cabelos de Gena e seu olhar etéreo, suas lágrimas de desilusão. Vamos nos deixar levar pelos braços de um Moskowitz desajeitado e carinhoso. Sem viagens à Paris. Sem casamento luxuoso que endivida e significa quase nada. Vamos na igrejinha, trocamos votos, achamos graça da situação e fim. Um amor de cinema. Dirigido por Cassavetes.

Minnie e Moskowitz (*)

Ano: 1971

Direção: John Cassavetes

Disponível no box A arte de John Cassavetes, da Versátil Home Vídeo

 

(*) O título de lançamento no filme no Brasil é “Assim falou o amor”. Esta colunista acha tão ruim a escolha que se nega a utilizá-la. 

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