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Não significa nada o que escrevo sobre a Kiss – por Luiz Alberto Cassol

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Nos últimos dias, diante de absurdos que li e vejo, escrevo novamente sobre o tema da tragédia da boate Kiss, ocorrida na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, em 27 de janeiro de 2013. Sim, relembro local e a data. Sem negar.

Se tu achas que isso é fazer aumentar a dor dos pais, familiares e sobreviventes.  Se pensas que isso é falar de algo que faz chorar e que mexe com a dor alheia, então vou te dizer que o que escrevo ou falo não é nada, absolutamente nada, se comparado a dor da perda desses pais. É óbvio que faz chorar, lembra o dia, a dor, a perda. Mas não me venha com teu egoísmo disfarçado de não podermos mais tocar no assunto, pois causa tristeza. Sim, causa tristeza. Mas também causa reflexão, questionamentos e a busca para que nunca mais ocorra.

É em função de pensares apenas em ti que faz com que não queiras mais tratar do tema, não desejas mais fazer caminhadas por esses pais, não te unas a causa da busca da verdade e da justiça.  Não dissimules teu exacerbado individualismo.

Como disseram-me vários pais. Não queremos vingança, isso não trará nossos filhos de volta.  Buscamos a justiça sendo feita em seus diferentes graus de culpabilidade, como comentou-me outro pai. Ou seja, o real entendimento do que aconteceu, sem cometer injustiças. A generosidade do entendimento vem dos pais. Não vem da sociedade. Que inversão de valores!  Parem com a hipocrisia e vejam os fatos reais. Esses pais, familiares e sobreviventes estão sendo esquecidos por que tu não queres ver a realidade escancarada na tua cara.

Outra coisa. Parem com essa falácia de que o tema faz a cidade de Santa Maria regredir. Isso tem outro nome: covardia.

Santa Maria vai continuar sendo a Cidade Universitária, Cidade Cultura, Cidade Coração do Rio Grande do Sul e tantos outros codinomes que a marcam para sempre. Mas também será lembrada como a cidade da tragédia da boate Kiss.  Negar essa realidade é negar os fatos. Negar é tudo o que tem de pior em qualquer situação.

Nesse caso o que está havendo é que, por vários motivos, sejam eles interesses de qualquer natureza somados a um inacreditável egoísmo de uma parte da cidade, todos estão virando de costas para esses pais. É  muito sórdido, como disse-me um pai. Querem jogar a gente para baixo do tapete, como falou-me uma mãe.

Esses pais merecem respeito. Vale para todos nós. Fazer uma homenagem vez por outra, ficar triste em frente a TV quando falam do assunto, eu compreendo, aceito. Mas o que temos de fazer de verdade é abraçar esses pais. É lhes estender a mão. É tentar fazer com que tenham um pouco de paz.

Já refletistes que eles nunca receberam um pedido de desculpas. Sim, um pedido de desculpas por tudo o que de pior poderia ter acontecido em suas vidas.

Uma vez minha mãe disse-me que perder um filho é a completa inversão da ordem natural das coisas. Do fluxo da vida. Essa frase me acompanha faz algum tempo.

Entrevistei pais e sobreviventes próximo de um ano depois da tragédia, para co-dirigir com o Paulo Nascimento o documentário Janeiro 27 e, passados mais de dois anos, realizamos novas entrevistas para termos uma ideia mais ampla de suas opiniões, indagações e reflexões.  A cada depoimento, te asseguro a sensação dolorosa da equipe. A exata dimensão de não poder reverter o fato.  Mas isso, perto do que aqueles pais sentem, não significa nada. É muito egoísmo de minha parte falar de tudo o que a equipe vivenciou.

Diante do que ouvimos e vimos nas feições daqueles pais, nosso sentimento não é nada. Não existe termo de comparação.

Entrevistei pais a um metro de seus rostos, de suas lágrimas, de suas incompreensões, de suas buscas. O que vi é doloroso, chega a ser dolorido, tamanha a tensão de registrar aqueles depoimentos. Muito difícil descrever. No entanto, em grau nenhum pode ser comparado a dor daqueles pais e de todos os pais envolvidos nesse massacre.

Tragédias são evitáveis, como disse-me um pai. Todas. Se houve é porque vários erros absurdos aconteceram para chegarmos àquela terrível madrugada. Por esses pais e por tudo que falo com eles, nos comprometemos a fazer com que esse documentário realmente cumpra seu maior objetivo: que todos reflitam e que busquemos insensatamente para que não caia no esquecimento.

Passados dois anos e alguns meses vejo pessoas escrevendo e dizendo para esquecer! Como assim? Esquecer, negar, manipular o sentimento da perda não é permitido. Isso tem outras adjetivações que certamente passam longe daquilo que os seres humanos podem ter de digno em relação ao outro.

Pare com a balela de tentar tirar o foco da situação. Por que não tornar Santa Maria uma cidade exemplo de prevenção, como sugerem os pais?

Se alguém escreve ou diz algo defendendo os pais – reitero, defendendo os pais! –  sua busca por verdades, por tentar entender o que aconteceu, parece surreal, mas já vem uma patrulha de pessoas dizendo que estão se aproveitando da dor alheia. Que    inversão de valores. Os únicos que podem solicitar qualquer coisa nessa história são exatamente os pais.

Respeite suas buscas, suas reivindicações e manifestações. Pare de cercear o que tem de mais sagrado na paternidade que é o amor incondicional.

Então, se tu não queres fazer nada, eu respeito. Mas não venha atingir os outros com a insignificância de apenas negar. Passados mais de dois anos, já cessam os medicamentos aos sobreviventes, num auxílio que deveria ser municipal, estadual e federal e que deveria durar, em minha opinião, o quanto fosse necessário. Uma força tarefa da dignidade.

Eu aplaudo quando vejo alguém tentando auxiliar esses pais. Vejo coragem nisso. Vejo humanidade. Pois essa causa parece ter cada vez menos pessoas, fora pais, sobreviventes e familiares. Portanto, se alguém os ouve  e tenta lhes prestar auxílio tem meu total respeito.

Se tivesse direito a um pedido permito-me: apoie os pais e suas reivindicações. Lhes dê um forte abraço. Isso pode faz toda a diferença.

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Um Comentário

  1. Parabéns pelo excelente artigo.
    No mês de março de 2013, vistando a Europa, quando me identificava e informava a cidade de origem, todos identificavam como a cidade da tragédia. Em Viena, um taxista mexicano disse-me que a tragédia tinha lhe tocado como se ele tivesse perdido um filho e que chorou naquele dia.
    Como querem que os familiares esqueçam. Quanta hipocrisia, falta de sensibilidade, humanidade e respeito ao próximo.
    A sociedade é muito individualista, ela está doente e egoísta.

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