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Dia de Finados – por Liliana de Oliveira

Quando éramos crianças, íamos com minha mãe limpar o túmulo da minha avó materna no Cemitério Ecumênico Municipal. O túmulo era limpo alguns dias antes do dia de Finados, dia que demais parentes visitariam os túmulos no cemitério.  Havia uma preocupação por parte da minha mãe de limpar e enfeitar com flores o túmulo da finada mãe dela que tinha o corpo enterrado ali.

O mais interessante é que íamos, eu, minhas irmãs e minha mãe, com baldes, panos, vassouras e flores. Olhávamos a fotografia da avó que nem chegamos a conhecer, ouvíamos alguns relatos de minha mãe, limpávamos, rezávamos e íamos embora.  Tudo isso era feito quase como uma celebração, sem muita nostalgia ou pesar, como quem respeitava o curso natural da vida.

Poucos anos depois, minha mãe foi enterrada naquele mesmo lugar. Agora estavam ali, minha avó e minha mãe à espera da celebração dos mortos. Minha avó paterna deu seguimento ao ritual de limpeza do túmulo. Entretanto, minha avó carregava consigo muitas perdas e ir ao cemitério para limpar os túmulos demandava certa paciência, pois limpávamos os túmulos do meu avô paterno, meus bisavôs, minha mãe e minha avó.
Levávamos baldes, vassouras, panos, escovas e flores. Começávamos limpando o túmulo de meu avô. Minha avó escovava tanto aquela pedra de granito que parecia querer lavar a alma. Quando tudo estava pronto, rezávamos e íamos embora. Nunca sem antes minha avó fitar a foto do finado quase a condená-lo por tê-la abandonado com os filhos ainda pequenos.

Depois, íamos ao túmulo de meus bisavôs. Lembro que ali sempre encontrávamos algum outro parente que também se dispunha a limpá-los. Limpávamos, conversávamos, rezávamos e íamos para o túmulo da Mariazinha que ficava próximo. Minha avó era devota de Mariazinha Penna, santa popular, falecida em 1953, aos 19 anos. Ali parávamos, rezávamos e acendíamos uma vela para a santa.

Saíamos dali, olhando as fotos dos mortos, pisando sobre túmulos de outros, até chegar ao túmulo de nossa mãe. Quando ali chegávamos, abríamos a capela que guardava um terço, um vaso de flores e as fotos de minha mãe e avó, limpávamos e colocávamos novas flores. Do lado de fora, plantávamos outras flores, daquelas bem tristes, roxas, que parecem só vingar em cemitérios. Rezávamos, às vezes, chorávamos e íamos embora.

Minha avó paterna morreu e junto com ela, os rituais cessaram. Rituais importantes e que nos constituíram, foram pouco a pouco sendo esquecidos por mim e minhas irmãs que hoje não vamos mais a cemitérios. Hoje, no Dia de Finados, percebo a importância desses rituais na infância. Rituais que nos aproximavam da morte e, ao nos aproximar da morte, nos aproximavam da vida. E agora pensando nisso, acho que no próximo ano irei ao cemitério limpar o túmulo de minha avó e levar flores à ela.

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