Verde neon – por Bianca Zasso
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O amor comeu meu silêncio
Minha dor de cabeça
Meu medo da morte
Os versos de João Cabral de Melo Neto caberiam em qualquer carta apaixonada. Apesar da beleza inquestionável das palavras, nem mesmo o amor verdadeiro pode dar fim ao temor daquele que é o nosso destino certeiro. Não importa o nível de coragem que corre em suas veias, o instinto de sobrevivência sempre fala mais alto. Fazemos de tudo para alongar a duração dos nossos dias.
Imagine então se, após chegada a nossa hora, algo fosse capaz de nos fazer voltar? Mortos que ganham uma segunda chance já habitaram dramas, comédias e, é claro, filmes de terror. Porém, o ato de ressuscitar quem já passou desta para uma melhor (será?) nunca foi tão inebriante quanto em Re-Animator, filme de 1985 do diretor Stuart Gordon.
Beber numa boa fonte foi o primeiro passo certeiro da produção. A base da trama está no livro Herbert West – Reanimator, do grande nome da literatura fantástica H.P. Lovecraft, leitura obrigatória para os amantes do obscuro. Gordon e o roteirista Dennis Paoli atualizaram a história e incluíram novos personagens, criando o mais bem-sucedido exemplo de adaptação cinematográfica que colabora para sua inspiração literária. Graças ao sucesso de Re-Animator (mais no mercado de locadoras do que nos cinemas) a obra de H.P. Lovecraft foi descoberta pela geração oitentista.
Trilha sonora inteligente e contagiante, direção de arte criativa e elenco afiado e bem conduzido já são considerados bons motivos para Re-Animator ostentar o título de clássico. Porém, a grande sacada está no roteiro sem protagonista fixo. Começamos a sessão abraçando como herói o estudante de medicina Dan Cain, graças a sua honestidade e dedicação.
Conforme a história avança, somos conquistados pela determinação psicótica de Herbert West em provar que sua fórmula para ressuscitar cadáveres frescos pode mudar a humanidade. No auge da torcida dividida, surge Dr. Hill, interpretado com muito talento por David Gale, e sua ambição acima da lei querendo para si os méritos de West. Um vilão encantador, responsável pelos momentos mais intensos de Re-Animator. Sua cabeça reanimada na bandeja é tão icônica quanto o líquido verde-neon injetado nos mortos.
As interpretações sérias e o cuidado para não desbancar para o pastiche não impedem que alguns risos ecoem entre o público. Podemos dizer até que essa preocupação acrescenta mais magia, já que cabeças ensanguentadas e cadáveres ferozes não cabem na categoria engraçados dentro de nossa memória. Óbvio que a evolução na área de efeitos especiais pode tornar uma revisão de Re-Animator mais divertida que apavorante.
No entanto, podemos contar nos dedos as produções com efeitos de última geração que ficam em nossa cabeça por mais de uma hora. O impacto existe, mas passa. Com Re-Animator ocorre o oposto e passamos dias (anos, no caso desta que vos escreve) relembrando com a mesma emoção da primeira vez algumas cenas.
Stuart Gordon, um homem de bases teatrais, não exagera quando afirma no documentário Re-Animator Resurrectus que sua estreia atrás das câmeras é um filme de arte. O termo pode até ser controverso, mas a imortalidade de Re-Animator é um fato.
Re-animator
Ano: 1985
Direção: Stuart Gordon
Disponível no box Lovecraft no cinema (Versátil Home Video)
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