Ainda é Outono – por Alice Elaine Teixeira de Oliveira
Ainda é outono, mas o seu corpo, sua disposição e suas alergias dizem já ser inverno. A cabeça dói, os olhos coçam e o nariz insiste em trancar. Sente uma coceira absurda dentro do ouvido que se torna muito mais do que um leve desconforto, é uma verdadeira dor ao final do dia. Basta o tempo virar de um dia para o outro.
Ele admite que por muito tempo permitiu que todas estas sensações, dores e incômodos o tornassem amargo com relação ao inverno. Não por menos, é na época do frio que ele mais sofre com suas alergias. Não há uma noite sequer em que não se acorde várias vezes sufocado, sem poder respirar direito, com os pulmões em crise de asma, a boca seca e sentindo-se preso com cordas e correntes.
Porém, resolveu olhar além do que lhe acontecia de ruim. Resolveu que queria apreciar a geada sobre as flores, ver os bueiros fumegantes. Decidiu que iria aproveitar bem o caldo quente e as sessões de filmes em meio às cobertas. Queria curtir os abraços quentinhos das crianças. E o calor da cama ao lado de quem amava. Queria beber um vinho bom enquanto admirava o fogo da lareira.
Os dias frios trazem uma nitidez para o olhar, tornam os horizontes distantes mais visíveis, acentuam as cores dos pores e nasceres do sol. A moda trouxera consigo cores novas aos pesados casacos de lã batida e uma volta pelo centro da cidade faz com que ele se sinta entre jujubas coloridas. As botas de inverno atribuem mais beleza às pernas femininas e bem torneadas. Luvas, gorros e mantas arrematam com charme as extremidades dos corpos que lutam para não perderem seu calor.
Pena o frio não ter tanto glamour para aqueles que sofrem ainda mais com a sua chegada… para aqueles que estão doentes, para os que cobrem-se com os papelões da miséria. O inverno é cruel para aqueles que têm em seus acompanhantes animais uma única forma de aquecer-se nas noites de solidão e gelo. É… ele tentava e persistia em tentar amar a estação mais fria do ano. Mas, seu coração insiste em doer e a chorar com o que não é culpa do clima. Havia aprendido a gostar mais desta época e parar de reclamar tanto, mas, não conseguia fechar os olhos para o que dói.
Quando criança, aos primeiros sinais de queda de temperatura, seu pai reunia toda família e pedia que procurassem roupas quentinhas que não usariam mais, juntava tudo em uma caixa ou sacolas. Ao final do dia saíam, todos juntos, de carro, num andar lento entre vielas e ruas apertadas dos locais mais pobres de Santa Maria, e ele, por preconceito, sentia medo quando seu pai fazia isso, mas o homem ia procurando com um olhar de caçador aqueles casebres que mesmo em pobreza parecia um lar.
Ainda lembrava o dia em que, de uma porta que se abriu, apareceram tantas pessoas que foram incapazes de contar, mais parecia uma fábrica de crianças malvestidas, porém a alegria e euforia daquelas pessoas tornou-se contagiante no momento que viam a perspectiva de um inverno quentinho e de pés calçados e seu medo deu lugar ao choro.
Que nestes dias mais gelados o nosso coração se aqueça de sentimentos e calor humano. Que lembremos de nossos irmãos e semelhantes. Que, com a permissão do uso e adaptação das palavras que não são minhas, o estado de ‘frio’ motive uma bandeira branca. E que todos desfrutem de um calorzinho. VIVA O FRIO!
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto que ilustra esta nota é de Lennon Schvarcz.
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