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Juiz manda os quatro réus do caso Kiss a júri popular, mas capítulo final ainda vai demorar – por Luiz Roese

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Aconteceu, finalmente, o esperado. Nesta quarta-feira, 27 de julho, no dia em que a tragédia da Boate Kiss completa três anos e meio, o titular da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, juiz Ulysses Fonseca Louzada (foto acima), decidiu que os quatro réus do caso – Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann (sócios da boate), e Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos (músico e ajudante de palco da banda Gurizada Fandangueira) – devem ir a júri popular em razão das acusações de homicídio qualificado (242 vezes consumado e 636 vezes tentado). É a chamada “sentença de pronúncia”.

Vale lembrar que os quatro acusados respondem, atualmente, em liberdade. Eles chegaram a ter a prisão temporária decretada pelo juiz Louzada em janeiro de 2013. Porém, em 29 de maio de 2013, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) revogou a prisão e os quatro passaram a responder à Justiça em liberdade.

Até chegar a este momento do processo, foram ouvidas mais de 200 pessoas, entre vítimas, testemunhas, peritos e os próprios réus. São quase 100 volumes e quase 20 mil páginas. A instrução do processo (fase em que o Juiz colhe as provas para formar a sua convicção) foi encerrada em 22 de abril deste ano, quando o Ministério Público, o Assistente à Acusação e as defesas dos réus entregaram suas alegações finais, totalizando mais de 500 páginas.

Processo passará um bom tempo fora de Santa Maria

Quer dizer agora que o caso vai ter mesmo júri popular? Não, ainda vai longe essa história: haverá recursos das defesas ou da acusação. Agora, o processo passará um bom tempo fora de Santa Maria. E aí começarão outras lutas judiciais. Primeiramente, no Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RS) e, depois, em Brasília (DF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), dependendo da questão legal a ser questionada. Até chegar a uma decisão final, devem ser mais alguns anos. Então, mais um pouco de paciência será necessária.

Um dos aspectos que deve ser questionado pelas defesas é a figura do “dolo eventual”, quando o magistrado entende que o crime ocorreu porque o(s) agente(s), mesmo sem querer efetivamente o resultado, assumiu (ou assumiram) o risco de produzir o resultado. Essa é uma questão que pode derrubar a possibilidade de júri, se os tribunais superiores entenderem de forma diferente.

Então, o que pode acontecer, além do júri popular? Não dá pra descartar que o caso seja desclassificado para homicídio culposo (sem intenção) em alguma das instâncias superiores. Essa possibilidade existe, sim. Aí acaba o júri popular, e o caso voltará para o juiz de Santa Maria julgar sozinho, também cabendo recurso para qualquer sentença.

Com os réus soltos, todas essas decisões podem demorar anos nas instâncias superiores. Já houve casos de espera de mais de uma década por decisões de Brasília. Tomara que não seja assim. Por enquanto, a única tendência é que o ano de 2016 não veja um fim do caso na Justiça.

10 argumentos para o júri popular, e alguns poderiam ter sido vistos pelo Poder Público

Sobre a decisão de Louzada nesta quarta, aviso que li as 195 páginas e posso afirmar que os argumentos do juiz são bem sólidos. Acredito que ele conseguiu apresentar aspectos que podem sustentar uma vida longa para a decisão sobre o júri popular. Só não dá para esquecer que aquela boate estava aberta daquele jeito, colocando em risco a vida das pessoas, porque o Poder Público permitiu ou não fiscalizou ou foi negligente. Então, ficou faltando alguma coisa, mas disso o juiz não tem culpa alguma.

Por fim, deixo os bons 10 argumentos do juiz Louzada sobre o dolo eventual, o que levou os réus a júri popular na decisão dele. Observem que há algumas coisas que poderiam ter sido fiscalizadas por quem detém o poder para fazer isso:

a) o fogo de artifício era sabidamente inapropriado para o local, pois se destinava a uso externo;

b) o ambiente também era visivelmente inapropriado para shows desse tipo, pois, além de conter madeira e cortinas de tecido, a espuma usada como revestimento do palco era altamente inflamável e tóxica, sem qualquer tratamento antichama;

c) apesar dessas condições, o fogo de artifício foi acionado no palco, perto das cortinas e a poucos centímetros da espuma que revestia o teto;

d) consoante imagens, testemunhas e somatório do número de vítimas, a boate estava superlotada, com número de pessoas bem superior à capacidade pericialmente apurada;

e) a boate não apresentava saídas alternativas ou sinalização de emergência adequada;f) a única saída disponível apresentava dimensões insuficientes para dar vazão às pessoas;

g) a única saída disponível estava obstruída por obstáculos de metal do tipo guarda-corpo que restringiam significativamente a passagem;

h) os funcionários da boate não tinham treinamento para situações de emergência;

i) os seguranças da boate dificultaram a saída das vítimas nos primeiros instantes do fogo, cumprindo ordem prévia e geral dos proprietários ora denunciados, em razão do não pagamento da despesa;

j) os exaustores estavam obstruídos, impedindo a dispersão da fumaça tóxica, que acabou direcionando-se a saída, justamente onde as pessoas se aglomeraram para tentar deixar o prédio;

Pode demorar, e a paciência é uma virtude

Na Argentina, foram oito anos entre o incêndio que matou 194 pessoas na Boate Republica Cromañon, em Buenos Aires, em dezembro de 2004, e a condenação dos réus, em dezembro de 2012.  A paciência é uma virtude.

Não preciso nem dizer para que os familiares das vítimas não esmoreçam, porque a luta deles por Justiça será eterna, aconteça o que acontecer. O que me preocupa é que, com o passar dos anos, a tragédia da Kiss vai sendo esquecida por quem não está diretamente envolvido.

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