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TEATRO. Uma crítica emocionada para “Carícias”, o texto de Sergi Belbel, com a direção de Laédio Martins

flaviPor FLAVI FERREIRA LISBOA FILHO (*)

Carinho, cafuné, afago, afeto, parceria, companheir@, família… Quantas vezes absortos nos dramas familiares nos prendemos a narrativas cotidianas, que banalizam as presenças, cristalizam rispidezes, impaciência, falta de trato, de respeito, de cuidado. Muitas vezes, somos mais tolerantes, mais educados e mais corteses fora do pequeno espaço familiar. Por que gerar ou aumentar sofrimentos para quem está mais próximo? Por que patologizar as relações íntimas, deixando de lado as carícias, o zelo, o amor? Justo com aquel@s capazes de nos estender seu apoio incondicional nos momentos mais cruciais, mais difíceis de nossas jornadas… Momentos tão duros que não conseguimos admitir nem nos divãs de psicanalistas. Nessas ocasiões de grandes provas da vida, lá estão nossas pessoas mais queridas. Justo aquelas que, não raras vezes, faltamos com a tolerância e a ternura.

Ao chegar, pela segunda vez, para assistir à peça “Carícias”, desta vez no Caixa Preta – UFSM, fui novamente medicado na entrada. Simbolicamente aquela caixa de remédio entregue à plateia, de certa forma, preparava-nos para o que se descortinaria no palco, com Laédio José Martins, Ana Paula Marques, Gean Batista e Jean Moralles, que formaram um elenco sensível, tenaz e comprometido, com texto de Sergi Belbel e a direção de Laédio, Carícias me tocou. Gemidos, sussurros, gritos, prazer, gozo e nudez, assim começou a peça. Seguida de uma fala emblemática “Como se a gente já não tivesse nada para dizer um para o outro”.

Num misto de realismo e vontades surrealizantes, as estratégias cênicas adotadas, como a do palco multifocal e da interação compulsória do público com as cenas, em especial por assistirmos sentamos nas diversas camas dispostas, nos fez inúmeras provocações. Com um figurino adequado e insinuante, destaco o casaco e o anel do mendigo, além dos perversos cintos de castidade, combinado com uma maquiagem irretocável, que valorizava as expressões, especialmente o olhar, fomos envolvidos e inebriados em diálogos e monólogos que, acompanhados de uma trilha sonora perspicaz, poderiam fazer parte da vida de qualquer um que ali estava.

Impactado, envergonhado, mexido, revirado, foram tantas as sensações, de encontro e desencontro, razão e loucura, alento e abandono, liberdade e internação, emancipação e subjugação, chegada e partida, identificação e deslocamento, que não consigo dar conta em vãs dicotomias, pois a vida vivida, a vida sentida e ali representada é muito mais complexa do que o reducionismo binário. Viver é desafiador! Vemos nossas relações adoecerem e só nos damos conta (quando nos damos), na hora da perda, do luto, da angustia, da dor e da reiterada frustração. Fiquei inquieto, incomodado perguntando-me como aliviar ou evitar sofrimentos e angustias? Só consegui pensar em afeto. Afetos sinceros podem ser mais eficazes do que receituários e caixas de ansiolíticos e a infinita gama de antidepressivos, que nos dão a ilusão que tudo está ou ficará bem em seguida.

Precisamos refletir e dialogar sobre a necessidade de politização do espaço microssocial, dentro de nossos arranjos familiares, do grupo de amigos próximos para aprendermos com as diferenças (geracionais, ideológicas, de gênero, de orientação sexual, das formas de ver e sentir o mundo), crescermos como sujeitos e nos tornarmos seres humanos mais humanos – não há redundância! Não podemos naturalizar as violências (des)percebidas e (não) sentidas. Tolerância, amor e respeito são sentimentos, valores e posicionamentos de vida, que deveriam nutrir e fomentar as histórias do dia a dia para se viver em paz consigo e gozar de felicidade íntima. Sem egoísmos, pois o afeto é partilhado! Obrigado, Carícias!

(*) Lisboa Filho é Relações Públicas, professor do curso de Comunicação Social da UFSM (graduação e pós-graduação)

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto é de Atílio Alencar.

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