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Verão de 23 – por Orlando Fonseca

É certo que este verão ficará na memória de muita gente, inclusive a minha. Não sei ao certo se com o tamanho de histórias pessoais como a que deu origem ao filme Verão de 42 (título em português: Houve uma vez um verão), ainda que esteja permeado de realizações afetivas e mudanças significativas, tanto emocionais quanto territoriais. Agora, com certeza, ficará na história nacional, como o dia da infâmia, aquele em que um grupo de “delirantes patriotas – pois trajavam camisetas da seleção brasileira e enrolavam-se – literalmente – na bandeira do Brasil, cantando o Hino Nacional) tentou derrubar os pilares da democracia no país. Sem sucesso, mas as suas imagens ficarão na retina de todos os estarrecidos brasileiros – como eu – que deram um pause no verão pra assistir àquele espetáculo dantesco.

Muitos de nós, no dia 8 de janeiro, tivemos nossas horas de veraneio tomadas de assalto pelas imagens que nos chegavam de Brasília, por todos os meios de divulgação. Um verdadeiro tsunami verde amarelo de “policarpos quaresmas” (em paródia) correndo pela esplanada dos ministérios. Sentados em nossas poltronas, quando poderíamos estar admirando as maravilhas da porção do Atlântico que nos cabe, tememos pela nossa frágil democracia. Temos tido a experiência cidadã de um ciclo mais longo de um estado de direito, desde a fundação da República. São anos de convalescença de duas décadas de regime de exceção, com altos e baixos, com muitos percalços, mas que servem de aprendizado. As eleições do ano passado e a posse em clima de normalidade foram um indício positivo, maculado pelo descontentamento e revolta do grupo que se postou em frente aos quartéis, e que, fechando a sua indisposição democrática, invadiu a nossa praia. Digo nossa, para falar daqueles que entendem o processo eleitoral como o legítimo mecanismo de sustentação da democracia. Sem paranoias de teorias conspiratórias, com a invenção de narrativas seletivas, argumentações falaciosas para satisfazer o interesse de um grupo e não do coletivo.

O ano começou com a expectativa de que seria marcado por uma renovação da esperança – resgate da política como indutora do bem comum; fim da fome para 30 milhões de brasileiros, resgate das boas práticas em defesa de nosso ambiente natural e dos povos originários, reposicionamento do Brasil diante das nações livres em uma nova geopolítica global. Algo que pudesse se juntar a tantas outras datas do calendário cívico, como o foi o Dia do Fico. Ou quem sabe o início de uma Novíssima República, depois da Velha República, da República Nova e dos anos de redemocratização pós golpe de 64, com a Nova República. Sem ufanismo, mas com esperança, com a crença nas virtudes de um regime democrático para a construção de justiça social, pacificação política e ambiente de prosperidade para todos. Nada que pudesse ter seu brilho empanado por delírios golpistas.

De minha parte, depois de alguns anos residindo na rua do maior entre os poetas parnasianos, estou morando junto à rua do Pai de Todos, o mestre do realismo brasileiro. Grandes nomes da literatura nacional e cidadãos exemplares no que diz respeito à participação ativa e inteligente na vida cultural do Brasil. Mas o que mais me agrada é andar pelas tranquilas ruas de um bairro de nossa cidade, como se estivesse registrando em filme, esse verão de 2023. Ao fundo, os morros que identificam nossa Boca do Monte. Entre os prédios, ainda resistem casas que têm pátios, onde há pequenas hortas, galinhas e cães, árvores frutíferas e jardins floridos. Ainda que seja um verão tórrido – afinal estamos em Santa Maria – são cenas a indicar que a vida é simples, e o melhor que fazemos é não querer complexo o seu mecanismo singular. Tal e qual a vida nacional em uma república, em que o estado de direito é marcado pelo bordão: a maioria leva; quem ganha a eleição assume. Simples assim. O resto é tragédia, e eu – ao menos, depois de pandemias e desgovernos – estou mais para histórias de amor e paz.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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3 Comentários

  1. Literatura? Grande vantagem para quem já passou pelo perrengue do acesso a curso superior, dá para c@g@r para a literatura sem perder muita coisa.

  2. ‘ início de uma Novíssima República’? Só com uma nova constituição. O que só aconteceria com ruptura. Contradições e hipocrisia, caracteristicas da esquerda. No mais, palavras bonitas para maquiar a realidade, direito, democracia. Enquanto isto o mandatario de plantão gasta aprovação falando asneiras. O anterior no costumes, estes na economia. Eike Batista tem uma diferença enorme para o Jorge Lemann, o dinheiro das empresas quebradas sairam do BNDES. Não ‘é a mesma coisa’.

  3. Filme nem sabia que existia. Mas os balões espiões nos céus ianques parecem o teto que persegue Woody Allen em ‘Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar.’ Dia 8 é assunto vencido. Politicamente foi uma tremenda c@g@d@. Deu força para a narrativa do governo eleito. Obviamente se houvessem 100 mil pessoas por lá, com mais 100 mil na Avenida Paulista, mais outro tanto em POA, BH e RJ o significado politico seria outro. Fator positivo, os aloprados se resolveram. Burrice tem esta caracteristica, tende a se resolver sozinha. Reação das pessoas também traz muita informação. Causidico duble de mordomo de filme de terror com implante de cabelo parecido com cabelo de boneca larga um ‘com esta gente nem se fala’. Sim, a humanidade deve estar fazendo fila para conversar com ele.

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