Tempos de exclusão e injustiças – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa e Lucas Silveira
A Mitologia grega é um campo de conhecimento riquíssimo e a universalidade de sua narrativa é capaz de nos fornecer elementos para analisar as práticas sociais de nossa vida contemporânea. Desses mitos gregos, o Titã Prometeu, em nosso entender, se institui como uma das figuras das mais emblemática e fascinante. A Mitologia bíblica coloca na figura de Deus o ato de criação da humanidade. Para a mitologia grega, o ato de criação do homem é obra do artista e sábio Prometeu.
Do barro, Prometeu esculpiu o homem, e perplexo com a beleza de sua criação, presenteou-lhes com a vida. Além da beleza, nosso Titã dotou o ser humano com o conhecimento das Artes, da Ciência e do Fogo. Como nosso artista criou o homem a imagem dos deuses, Zeus, o grande chefe e “mão de ferro” do Olimpo, resolveu castiga-lo pela sua audaciosa criação. Mandou amarrá-lo em uma rocha e todas as noites ordenou que um gigantesco abutre fosse devorar suas vísceras que, com o emergir da aurora e o raiar do novo dia, seriam reconstituídas.
Assim, Prometeu sofreu desse martírio por décadas. Não satisfeito com o sacrifício imposto a Prometeu, o senhor do Olimpo ordenou que os Deuses criassem Pandora, também dotada de raríssima beleza e inteligência. Pandora foi enviada à terra para que se oferecesse como esposa a Epimeteu, revolucionário titã e irmão de Prometeu. Zeus, como presente de casamento, deu-lhes uma caixinha de surpresas. Quando Epimeteu abriu a caixa foi liberada para toda a terra as grandes desgraças que castigariam a humanidade, tais como: a insanidade, a doença, o vício, a fome e a velhice.
A Inteligência que Prometeu havia presenteado a humanidade para construir, gerar o bem e o belo, como castigo, agora viria servir para a produção do mal e destruir. Intermináveis guerras instalar-se-iam entre os homens, a fome, a inveja, o orgulho e a ânsia pelo poder faria com que os homens escravizassem uns aos outros.
Junto com todos esses males que viriam assolar a humanidade para o todo e sempre, na caixa existia, também, uma dúbia figura chamada de esperança. Para uns, a esperança é uma figura central para manter viva a humanidade através de seu produzir a história, mas na astúcia de Zeus, a esperança pode significar uma perspectiva metafísica que paralisa e aliena o ser humano e o mantém dependente da “bondade” e dos desígnios divinos.
Na contemporaneidade, quando os livros e os adeptos da autoajuda dizem que “nada é por acaso”, estamos vendo se vivificar o desígnio, que na mitologia grega, Zeus planejou, astutamente, para embretar a humanidade num eterno paradoxo de criar e destruir. Não precisa um olhar muito apurado para se verificar que nossa sociedade universal e atual materializa, de forma peremptória, o conflito entre o bem e o mal.
Possuidores de condições econômicas e senhores do capital vivem na opulência, conforto, desfrutam do bom da vida e os excluídos vivem das sobras dos eternos banquetes do castelo. O neoliberal de hoje naturaliza, de forma ideológica, a “pacífica” convivência entre rico e pobre, miséria e opulência, governantes e governados e a elite patronal e a sofrida classe explorada e trabalhadora.
Os governantes neoliberais utilizam suas razões econômicas para justificar suas opções pelos ricos e, a inevitável produção de injustiças. Trabalhadores organizados e demais movimentos sociais militam, historicamente, por justiças sociais, respeito as diferenças e a criação de políticas públicas que sejam capazes de realizar a redistribuição de renda e que a vida da grande maioria tenha dignidade.
Para os poderosos senhores do capital e sua orla de puxa sacos, Educação, Saúde, Segurança Pública e Assistência Social são custos que o Estado e as políticas de governo devem cortar ao máximo, mas dinheiro para empresários engordarem suas polpudas contas bancárias é investimento.
A lógica neoliberal é o discurso do Estado Mínimo para os trabalhadores e os excluídos e Estado máximo para os capitalistas. As riquezas produzidas, o patrimônio público e o dinheiro público devem der entregues para o capitalista e, a competividade e o Deus mercado que regule o excludente e fatídico mercado das trocas. Espúria demagogia e nefasta razão cínica.
Nosso saudoso, generoso e sábio educador brasileiro, Paulo Freire, declarava que a sua posição e de todos aqueles que militam por uma sociedade mais justa sempre deveria ser em favor dos “esfarrapados do mundo e contra as malvadezas neoliberais”. Devemos tomar cuidado para não cairmos nas amarras metafísicas do comportado discurso da esperança, mas nos unamos, na militância, pela construção de uma vida digna e justa. Educação, saúde de qualidade, políticas públicas que redistribuam rendas é um direito inalienável de todo cidadão e nunca um presente dos poderosos.
Devemos estar atentos, e “assustados” com o contexto histórico que estamos inseridos, são sombrios para a “ralé” social do Brasil. Parafraseando Jessé Souza, para os educadores, para os agentes de saúde, para os médicos que honram sua profissão, honram seu juramento de colação de grau, aqueles que não medem esforços para tentar sanar o vácuo deixado pelo sistema nefasto do Capital para atender comunidades abastadas e mais longínquas do país.
Tempos difíceis para os estudantes, que só querem uma educação libertadora e não a educação que nos propõem que se caracteriza como excludente, sectária, aquela educação que não nos faz pensar, a Filosofia, a Sociologia, a História, as humanidades não interessam para o sistema neoliberal pautado hoje, querem trabalhadores como em “Tempos Modernos”, que saibam manusear ferramentas e obedecer cegamente aos caprichos do Sistema.
Os repertórios dos movimentos de massa, de estudantes, docentes e servidores públicos, devem ser combativos para com a retirada de direitos que nos é imposta, que amassa sem piedade algumas ou todas as conquistas dos últimos tempos no Brasil. Charles Tilly nos mostra que os movimentos sociais devem ser organizados por grupos de interesse em comum, logo, os estudantes, os jovens, mulheres e o componente intelectual do país devem estar articulados em torno de uma insatisfação em comum, ou seja, a retirada de direitos estampados na Constituição Brasileira e que a lógica do neoliberalismo travestido de “moralizador” do Estado Brasileiro, faz questão de escancarar aos nossos olhos, que são eles os detentores do poder e nunca deixaram de serem “proprietários” da “Terra Adorada”.
O típico argumento gritado aos quatro ventos pelos neoliberais e detentores dos meios de produção e inflado pela classe média de nariz em pé, não passa do discurso da meritocracia, onde o “sustento estatal” da ralé brasileira tem de acabar, pois são “eles” os causadores do caos econômico instalado no país, aqueles mesmo que não querem saber de trabalhar, que estão vivendo da esmola – ou fortuna – fornecida todo o mês pelo “Estado Máximo” que vai nos levar à falência, gritam e batem suas penelas do alto de seus palacetes e fortalezas fechadas, separando o rélis, da realeza.
Toda a revolta entoada por estes batedores de panela para com as ocupações e manifestos de servidores, docentes e estudantes, é de fácil compreensão, não admitem que ninguém lute pelo que é de direito seu, devemos nos contentar com a precarização da educação, da saúde e da segurança pública, da retirada de políticas públicas de redistribuição de renda e acesso ao ensino público de qualidade. Discurso fácil de ser “comprado” pela “nova classe média” que ascendeu nos últimos anos e que hoje paga o “pato” por ainda achar que deve defender o interesse do Deus Capital e de seu patrão.
Trata como vagabundos sórdidos aqueles que tentam, resistem, lutam por um país verdadeiramente justo, inclusivo, e que os repertórios das ações coletivas infladas pelos nossos talhadores, educadores e estudantes sejam de libertação, e não o da acomodação que parece estar intrínseco na sociedade capitalista. Honremos a aliança que Prometeu selou com a humanidade e, como senhor de conhecimento da Ciência e das artes, nunca se dobrou aos desígnios de Zeus e sua tirania. Em nosso entender Prometeu nos deixou uma gigantesca e generosa lição: Para amar, verdadeiramente, um ser humano em particular faz-se necessário amar de forma universal o todo da humanidade.
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