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Atento aos sinais – por Bianca Zasso

O primeiro longa-metragem ninguém esquece. Esta deve ser a máxima dos diretores de cinema que, após uma temporada produzindo curtas, conseguem verba e equipe para realizar um projeto maior não só na duração como também no envolvimento.

Em 1985, o americano Gus Van Sant fez sua estreia em longas com Mala Noche, mas seguiu fazendo curtas até 1989, quando se lançou no desafio de filmar Drugstore Cowboy, que chegou ao mercado brasileiro de DVDs no ano passado pela distribuidora Obras-Primas do Cinema. Inspirado na autobiografia de James Fogle, que cumpriu pena num presídio de segurança máxima por tráfico de drogas, o filme poderia ter sido a entrada de Van Sant no universo dos filmes mais comerciais, afinal, “baseado em fatos reais” costuma ser uma frase que atrai público. Só que o diretor acreditou mais na arte do que nas cifras.

Estamos diante de um exemplar mais focado em detalhes da paranoia do que em overdoses bem encenadas. Drugstore Cowboy acompanha o protagonista Bob, sua esposa Diane e o casal Rick e Nadine ao longo dos assaltos cometidos por eles a farmácias da cidade de Portland. O roubo tem um foco preciso: garantir drogas para o quarteto. Ao invés de frequentar o mercado negro em busca de maconha e cocaína, Bob e sua turma preferem metadona na veia para encontrar alguns segundos de prazer. O filme abre com esta situação, mostrando a habilidade de Bob para encontrar as pílulas tão desejadas. Porém, os assaltos são coadjuvantes. Van Sant optou por adentrar na mente de Bob e refletir por meio de imagens seus medos e desejos.

Supersticioso ao extremo, ele vê suas teorias dobrarem de tamanho quando está sob influência das drogas. E são estes delírios que vão levar Bob em busca de uma nova rotina, longe do vício. A câmera de Van Sant, atenta aos pequenos gestos, se mostra inquieta quando se dirige ao seu protagonista, em ângulos insólitos, algo que faria parte de todos os trabalhos seguintes do cineasta, atingindo seu auge no ótimo Elefante, de 2003.

Nem tudo é poesia lisérgica em Drugstore Cowboy. Há bons momentos cômicos, aliás. O clima sombrio não chega a ser abalado, mas há um certo alívio no cotidiano tenso de Bob.
Matt Dillon, que iria repetir a parceria com Van Sant em Garotos de Programa, está ótimo e sua química com Kelly Lynch é indiscutível. Mas a cena é roubada mesmo pelas aparições discretas de James Remar, na pele do investigador Gentry, e do poeta beat William S. Burroughs, interpretando um padre viciado. Mesmo sendo personagens sem grande efeito dramático dentro da história, ambos imprimem realidade e até um ar paternal na vida de Bob, como no caso de Burroughs.

A primeira tentativa pode até ser inesquecível. Mas o grande marco de nossas vidas se dá de verdade quando nos postamos diante do desafio já carregando algumas cicatrizes. Drugstore Cowboy não foi sorte de principiante, mas abriu a porta certa para um artista chamado Gus Van Sant.

Drugstore Cowboy
Ano: 1989
Direção: Gus Van Sant
Disponível em DVD pela Obras-primas do cinema
www.obrasprimasdocinema.com.br

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