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“Queixar-se ao Papa?!” – por Pylla Kroth

O que é a vida se não a vida que a gente leva? Aprendendo desde o dia que nascemos até a hora derradeira da existência aqui.Quando criança, vamos tentando nos equilibrar no jogo da vida e até a velhice procuramos sempre por segurança, proteção da mãe, força do pai, experiência do irmão mais velho e assim vamos entrando na ciranda da vida, ao lado de pessoas seguras e em tetos abençoados. Abençoados por quem? Pelo Deus da nossa crença. Em geral através de um sacerdote. No caso da minha família era um padre católico e um reverendo luterano.

Era uma sensação boa recebermos o padre em casa, com aquela batina e estola bem bordada, tão limpos, que, na época, no lugar onde estávamos, sempre na lida da terra vermelha, a roupa limpinha era coisa só para ir ao centro da cidade, ou à igreja ou à cooperativa rural.

A presença do padre, a forma como vestia e toda coisa mística de representante de Deus da qual era imbuído… isto para mim como criança era algo admirável, fascinante. E palpável.

Por outro lado, recordo também que em dias de temporais, quando o tempo começava a se armar, saltava o Seu Alípio da Lúide no seu grande pátio na frente da casa, com um machado na mão que cravava na terra, jogava a peneira de separar o joio do trigo, e aos raios e trovões, em discussão com Santa Bárbara e São Jerônimo para que nos livrassem do perigo da tempestade. Confesso que isso me assustava. E o Seu Alípio também era benzedor, outra coisa que eu não conseguia entender… aqueles resmungos dele em volta da gente, causando arrepios, até medo, mas no final quando se abria os olhos havia uma sensação boa de que qualquer mal estava curado, afastado do corpo.

O Seu Alípio quando alguém ia se lamentar ou queixar de alguma coisa material para ele costumava responder assim: “Vá te queixar para o Papa!”

A figura do Papa para mim era longínqua, quase surreal, como se pertencesse ao mundo dos santos (separados), talvez nem na terra morasse!

Mas logo atravessei o pomar, a lavoura, o mato e travei conhecimento com um Seminário que havia na cidade, para formação e iniciação de sacerdotes. Não demorou muito e eu era coroinha, ajudante do padre e das freiras, e estava lá o Pylla convivendo por uns bons anos com aquela gente de fé. Não sei por que… ou talvez até sei… logo proibiram a minha permanência na instituição, por mau comportamento e falta de concentração para a oração!

Todas estas lembranças me vieram esta semana, destas pessoas e acontecimentos ligados à fé católica com que convivi, quando li numa rede social um comentário de alguém dizendo que, curiosamente, nos dias atuais o líder mundial mais progressista que temos é justamente um Papa da Igreja Católica, referindo-se ao Papa Francisco. E, em tempos de retrocesso, achei isso uma coisa no mínimo interessante. É ou não é? Pois a figura papal e a própria Santa Madre Igreja num todo, de certa forma, sempre estiveram associadas a uma imagem mais conservadora, no sentido de ser extremamente resistente às mudanças de pensamento, novas ideologias e comportamentos sofridos ou promovidos pela contemporaneidade. Aliás, sob muitos aspectos, a própria liturgia da Igreja Católica sofreu bem poucas alterações ao longo de séculos de existência, as inovações aconteceram muito devagar e a tradição é preservada com um fervor primoroso dentro desta instituição como em poucas outras. O próprio Conclave de Eleição Papal é um excelente exemplo de manutenção destas tradições que resistiram ao tempo, que segue exatamente os mesmos moldes ritualísticos oriundos da idade medieval.

Admito que hoje em dia sinto saudade da inocência com que eu via as coisas na infância. O conhecimento e a compreensão de como as coisas realmente funcionam nas grandes instituições da fé, que afinal de contas são instituições humanas, geridas por homens, mesmo que ajam supostamente no interesse de Deus, me fez aos poucos perder o encantamento que possuía por elas quando era criança.

Lembro da ocasião em que foi divulgada a Carta de Renúncia do agora Papa emérito Bento XVI, em 2013, que causou uma imensa comoção a todo mundo, pois foi como se um baluarte da fé considerado inabalável, por ser o máximo representante de Deus na Terra, segundo a crença Católica, e, portanto, supostamente o homem de maior quantidade de fé no planeta, subitamente caísse e deixasse todo mundo perplexo e sem saber o que pensar ou fazer, tanto pelos seus motivos não terem ficado claros quanto por que havia muitos anos não acontecia uma renúncia papal! Sem dúvida, aquele acontecimento ficou marcado na história e na ocasião foi para mim uma afirmação de um pensamento que há anos eu vinha construindo sobre a Igreja Católica, e que inclusive foi expresso na própria carta de Bento quando ele disse que a Igreja necessitava de uma profunda reforma em seu cerne. Pois bem… ao que tudo indica, o Papa atual levou bastante a sério o pedido do seu antecessor, pois nunca antes se presenciou tantos e tão significativos avanços, em tão curto espaço de tempo, no sentido de modernização e adequação das posições da Igreja e seu supremo Pontífice em resposta às necessidades do tempo presente!

Sabemos, através da História, que houve um tempo em que a Igreja teve o poder de fazer ascender Reis e Imperadores aos adornados tronos terrenos, e sem a bênção e conseqüente aprovação do Papa em exercício o poder destes governantes não podia ser considerado completo.

Talvez nessa época remota o “vá se queixar para o Papa!” do Seu Alípio fizesse todo sentido se alguém viesse queixar-se das tempestades políticas e dos governantes de seu tempo, já que era o Papa quem abençoava e dava plenos poderes aos ditos cujos.

Mas, hoje em dia, queixar-se ao Papa dos retrocessos e atrocidades cometidas pelos governantes do mundo terreno que, ao que parece, insistem em empenhar-se com todos seus esforços por um retorno a alguma espécie de Idade das Trevas, em que predomine a ignorância, o conservadorismo cego e doentio, a própria tirania e despotismo imperialista, quando a própria Igreja empenha-se em superar o passado questionável permeado das mesmas manchas, seria no mínimo estranho. Não faria nenhum sentido queixar-se ao Papa quando resulta dele vir se mostrando mais progressista do que os outros líderes mundiais que, ao contrário dele, foram democraticamente eleitos pela integridade das populações que governam, em vez de por apenas uma seletíssima elite que permaneça “con clavi con Dio” (lat. chaveados com Deus) em oração e meditação no aguardo de um sinal da suposta vontade divina!

Ocorre que a situação da atual política mundial, na qual a brasileira está inserida, se tornou uma matéria de fé, amigos! E nem precisamos estudar teologia para percebê-lo. Basta ligarmos a TV e abrir a tela do computador pra começar a nos horrorizarmos, percebermos o mundo em chamas, à beira do abismo, em conflito, corrupção, egocentrismo, imperialismo, conservadorismo, e um monte de “ismos” nocivos que conduzem facilmente à perda de uma quantidade significativa de fé na humanidade, e nos faz talvez até mesmo questionarmos a Fé na Providência Divina, nos perguntarmos se Deus já não desistiu de todos nós há muito tempo atrás. Conta a Bíblia que certa vez isso já aconteceu e inclusive que por ocasião Ele teria dito “varrerei da face da Terra essa raça humana que criei, e com ela os pássaros, as árvores e os animais que se movem no chão, pois vejo que apenas para meu arrependimento eu os criei”. Cá comigo eu penso que deveríamos promover uma grande reforma, não uma reforma de igreja ou instituição religiosa, mas uma reforma de todos nós pobres mortais, antes que caia sobre a terra outra espécie de chuva de quarenta dias e quarenta noites, uma chuva que nenhum muro possa conter ou parar, tempestade de raios e saraivada que nem o machado e a peneira do Seu Alípio poderia acalmar, dilúvio que não vem de céu ou de deus nenhum em particular, mas da conseqüência de nossa própria maneira de transformar e governar o Brasil e o planeta, ou no mínimo nossa participação em escolher aqueles que o fazem. A eleição está próxima e nós, Alípios do Brasil, poderíamos dar um pequeno e inicial passo, gigante na vontade, para começar a mudar isso. Quem se habilita?

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta nota é uma reprodução da internet.

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