Reality – por Orlando Fonseca

Pelo que mostram as manchetes dos últimos dias, a questão política no país se encaminha para um Reality Show televisivo. Já é quase isso, pois todo dia parece que os agentes deste circo de horrores se esmeram cada vez mais em produzir um espetáculo tragicômico. Políticos sérios e com propostas para a vida real são figurantes, são os extras carregadores de piano e encarregados da vassoura e do esfregão. Para esses a produção do show orienta que os câmeras e o pessoal da iluminação não os enquadrarem.

Muito do que se vê no quadro caótico do país se deve à forma como a mídia dimensiona os seus interesses, articulando com as personagens mais suspeitas deste drama. No entanto, parece que a TV, entediada por não estar no palco, deseja mais protagonismo e ocupar os melhores papéis. Por essa e por outra é que a manchete espetacular da semana passada era a de que Luciano Huck não afasta a possibilidade de se candidatar à presidência. Não bastasse já figurar no elenco de São Paulo o prefeito Dória, legítimo representante dos programas televisivos. E ainda tem o Justus como ameaça, ambos formando com o, agora, todo poderoso presidente americano, Donald Trump, o tsunami de animadores de auditório que ameaçam o planeta.

O comunicador do Caldeirão, em um discurso recheado de clichês “do bem” e, assim como a turma do MBL, defendendo um “apartidarismo”, se propõe a superar os traumas da situação atual. Como se não tivesse a ver com tudo o que está aí. Basta checar nas redes sociais a suas companhias, pretensamente apolíticas, para ver que não se sustenta seu disfarce de “antigolpismo”. Ele se diz representante de uma geração que frequentou o ensino superior nos anos 1990. E agora chegou a hora de essa turma assumir o poder. Sei, como se em algum momento estivesse fora. Para o Huck, o que ele faz com o Lata Velha e Lar doce lar pode servir como políticas públicas. Benzadeus!

Não é por acaso este balão de ensaio da mídia. Pesquisa Ipsos aponta Lula como o político com maior aprovação popular do País. E isso, apesar da caçada implacável que vem sofrendo, desde a campanha em que foi eleito para o seu segundo mandato. Dos 20 políticos citados na pesquisa, o ex-presidente é quem apresenta 38% de aprovação entre os entrevistados. Nesta mesma pesquisa, Temer aparece com 78% de desaprovação.

Enquanto isso, a mídia esconde, mas avança o Fora Temer pelas ruas do Brasil, ou até mesmo em eventos internacionais – como o que se viu no Festival Lollapalooza, semana passada. Então a minha proposta não é que se faça qualquer reforma política. Simplesmente vamos fazer um Reality Show, um BBB político: confinam-se todos estes que se apresentam  como candidatos numa casa, ligam-se todas as câmeras, chama-se o Pedro Bial pra dar um ar metafísico e poético ao evento, e deixa a população votar. Virão a público os conchavos hoje realizados nos bastidores, as divergências ideológicas na escolha dos líderes, e na formação dos paredões. E para não onerar os cofres públicos, tudo poderá ser feito pelo patrocínio das grandes corporações, como é feito hoje, mas ao menos nos intervalos se pode ficar sabendo quem está pagando o quê.

É isso, ou um choque de realidade.

DE FATOS E DIVERSÕES

– Por mim, fim de papo com esses representantes da classe política. Crime comum deve ser tratado como tal. Sou a favor mesmo é do FORNO PRIVILEGIADO.

– A desconjuntura é tal que um senador e um cantor estão prestes a lançar a dupla Vítor e Lasier. Nem universitário, nem sofrência, vem aí o sertanejo Maria da Penha.

– A disseminação de notícias falsas pelas redes sociais tem sido chamada de “pós-verdade”. Trata-se de um mecanismo de troca de informações, tal como um pré-datado sem fundo.

– Com a possibilidade de Huck se candidatar, seus fãs poderão bater caldeirão, em vez de panelas.

PÓS- BOAS NOVAS (Evangelho segundo o Facebook): “Conhecereis a pós-verdade, e a pós-verdade pós-libertará.”

LIVRO QUE ESTOU LENDO – E RECOMENDO

O tempo entre costuras, da autora espanhola María Dueñas.

Os escritores espanhóis são hábeis em enfatizar o épico de sua História, produzindo narrativas poderosas com tais ingredientes, sem deixar de dar a seus heróis – reais ou fictícios – a devida dimensão humana. Um bom exemplo é Javier Cercas, com seu excelente Soldados de Salamina, cuja ambientação se dá nos eventos da guerra civil espanhola.

Agora encontrei em María Dueñas, que também situa sua história entre os anos 1930, período, concomitante à Segunda Guerra Mundial, esta virtude literária. A personagem Sira vive suas peripécias entre Madri conflagrada pela luta entre revolucionários e fascistas, o Protetorado do Marrocos e Lisboa. Ao mesmo tempo em que vive as mazelas e as vitórias comuns dos mortais (com sua mãe, com amigos) é levada a se envolver com os eventos históricos que mantiveram Espanha e Portugal neutros no conflito europeu, à custa de negociações – nem sempre legítimas – com ingleses e alemães. Trata-se de uma leitura, acima de tudo, agradável, com o requinte e as minúcias do trabalho com agulhas, linhas e tecidos.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem de Luciano Huck, que ilustra a crônica, é uma reprodução obtida na internet.