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Diretas Já – por Pylla Kroth

Já falei que há trinta e cinco anos eu vivo nesta nossa Santa cidade, que de Santa não tem nada, como filho adotivo. Esta é minha casa. Pelo Rio Grande e pelo Brasil é assim que me chamam: “O PYLLA de Santa Maria, da Banda Fuga, da música saudade que marcou a vida de milhares de pessoas que vivem e que viveram por essas plagas”. Aqui fiz umas festanças, chorei, amei, briguei, protestei e me formei na vida. Portanto, eu sempre me orgulhei de ser deste laboratório de todos nós. Aqui canto, discuto cultura, afino e desafino, e de certa forma acho que até evoluí e amadureci, entre os acadêmicos que por aqui se formam e depois pegam a estrada da vida, e de outros tantos que encontro pelas esquinas desta aldeia diariamente. Não é exagero dizer que esta cidade já é uma metrópole cosmopolita? Talvez não.

Confesso que esses últimos dias tudo tem sido triste e doloroso. Ai, que dor! Não só por aqui, mas em todo meu Brasil amado. Ah, quantos amigos que ontem estavam aqui e bradavam em voz alta e hoje estão se enfraquecendo diante dos fatos atuais! Fazíamos planos para o futuro, que agora sinto interrompidos, são vários “cyclus” que já se passaram em nossa vida terrena. Estamos esperando uma mudança, mas essa não acontece, pelo contrário, retrocedemos vários passos diante de tantos prenúncios e expectativas e até medos que nos causavam o possível final de uma era, que se não me engano teriam até profeticamente anunciado para alguns anos atrás, em 2012 – tema que cheguei tratar anteriormente até em algumas músicas.

Só nunca imaginávamos que uma catástrofe real poderia acontecer. Meu deus, estou estarrecido com o que já cantei, e\ou escrevi nas minhas músicas e coincide de alguma forma com toda situação atual de crise e drama pela qual atravessa o país. É de arrepiar. “Ei tu que vive a vida, tá na hora de acordar!” “Aprendemos a falsa história que a ditadura impôs pra nós?”, “Tantas falsas imagens”, “Políticos, políticos, parem de falar e nos ouçam, por favor!”, “Meus olhos tristes já não fazem mais ninguém chorar”, Juro, “Eu queria te levar pra um lugar onde o vento me ajudasse a lhe dizer”,”onde nossos sonhos fossem nossos planos”, estamos cercados de “Raposas que mordem a própria cauda!”, “Vermes assassinos sutis”. Muita gente lembra dessas letras.Talvez por isso estou pagando além da dor.

Não bastasse a anarquia política que estamos presenciando, dias atrás tive que me dirigir ao Norte do estado, mais precisamente Passo fundo. Vivi momentos tensos, quando parava o carro em algum lugar, via de longe as pessoas apontarem a placa e os mais atrevidos indagando: “poxa! Além da tua cidade ter nos proporcionado aquele filme de terror com a morte de 242 jovens há alguns anos atrás, agora não vão fazer nada pra defender um pai que está sendo acusado de denegrir a imagem da justiça, que ao invés disso deveria se concentrar em tratar do caso em que ele foi vítima?”, “que Justiça é essa?”.

Os que me conhecem foram mortais na pergunta e afirmação: “mas como isso, Pylla, tu, com trinta e cinco anos de experiência na noite nunca viu que tinha algo errado naquela boate?” “onde estão as autoridades administrativas?” “Onde está todo mundo? Será que ninguém manda lá, como esta acontecendo com o país? Prendam o cara da banda que botou fogo, os donos da casa, as autoridades, prendam todos ou vocês vão assinar em baixo disso…” Me chocou as pessoas falando de forma tão indignada como se considerassem todos nós que residimos na cidade culpados de tudo.

Eu, que sempre lutei e me orgulhei da cidade, me senti tão pequeno que não conseguia responder. Nós, os culpados, nós, todos nós? E, terrivelmente, por um instante me pareceu que era isso mesmo: que todos temos uma parcela de culpa nesta situação toda. E, gente, sob o ponto de vista dos meios de comunicação de todo o mundo, é isso mesmo que a gente sente: que Santa Maria novamente, assim como o Brasil, está na boca do mundo, aos olhos do mundo, de maneira muito negativa, mesmo que ainda sintam algum pesar por nós. E isto tudo é tão triste quanto o drama e a tragédia que agora vive o país no âmbito político.

Um amigo meu, administrador de imóveis, recebeu quatro cancelamentos de aluguéis e compra de apartamentos nesta semana. Desde o episódio Kiss a UFSM não é mais a salvação e opção dos pais para mandarem seus filhos pra cá. E até alguns filhos mesmo não querem vir. E noutra situação mesmo a família deixe, os filhos se sentem acuados, estão com medo de Santa Maria e do país todo. A classe artística musical já está desempregada, os estabelecimentos comerciais fechando sua portas, empresários indo embora, e isso tem realmente me deixado cabisbaixo.

E não quero profetizar mais, mas está escancarado e não tenho a mínima convicção do que vai acontecer uma mudança radical nos próximos meses, talvez anos.

Para todos os efeitos, vamos ter de ser mais fortes que imaginamos pra não abandonarmos o barco no meio do mar, todos vamos ter de evoluir diante desta crise geral. Não vamos cultivar a dor e ódio, nem o sentimento de vingança… nunca, jamais… Se erramos, é hora de acertamos, nos unirmos democraticamente, sair as ruas reivindicar todo direito de cidadão. E que esta mudança aconteça, e que seja para melhor.

Somos todos como Fenix, sobreviventes sim, que precisarão obrigatoriamente se reerguer das cinzas!!! Aprender caminhar sobre as brasas da vida vai nos fortalecer. Baixamos a cabeça sim, mas aprendemos muito mais que baixar a cabeça…vamos atravessar essa ponte e beber agua da fonte, dessa fonte de águas turbulentas… mas desta vez com um chicote na mão… tenham paz no coração…tentem… tenham fé em Deus tenham fé na vida, como dizia Raul… E que de onde está você Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pois rezamos todos por dias melhores. Justiça seja feita em nosso país imenso. Cadeia a todos os corruptos e inconseqüentes administradores. E só para concluir: DIRETAS JÁ.

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