A morte me cerca – por Luciana Manica
Soube que perdi uma colega de colégio (ainda da época que existia 1º e 2º graus). Fazia tempo que não a via, anos para dizer a verdade, talvez 20 por aí … mas por um momento passei a pensar que não era mesmo eterna.
Não foi a primeira perda da época da adolescência, infelizmente, mas consternada, comuniquei alguns ex-colegas e adverti: “não somos imortais!”. Sempre tive uma certa síndrome de Peter Pan. Aliás, há quem diga que o personagem teria sido inspirado num jovem que faleceu cedo, permanecendo um rapaz para sempre. Refiro-me apenas a sentir-me “eternamente jovem” e, por que não, imbatível à morte, mesmo com responsabilidades de adulto. Também pudera, com uma avó de quase 100 anos se achando uma guria, o fruto definitivamente não cai longe do pé.
Falando em vó, fui visitá-la. Para surpresa, estava chateada, pois perdera a vizinha. Choquei, tal Senhora que partira era bastante saudável. Segundo dizia minha outra avó (já falecida), quando havia uma solteira em bom estado: “está explicado, não tem marido, filhos e nem hemorroida, só podia estar ótima!”.
A vizinha, mesmo sem marido, filhos e quiçá hemorroida, veio a falecer, precocemente (com uns 80 anos) segundo minha avó, que no auge dos seus quase 100 anos completou: “hoje em dia as pessoas morrem cedo!”. E eu pensei, cá comigo: “quem falando, se todos tivessem sua saúde!”.
Mas o que me fazia pensar nessa falsa eternidade: seria a minha genética? A alimentação cada vez mais selecionada? A medicina ortomolecular? (Hoje mesmo fui apresentada a ela, raio-x de vitaminas e nutrientes é fichinha). Os vários quilômetros de corrida por semana? Não sei, talvez seja apenas uma autodefesa.
Só sei que a ficha cai quando se perde alguém próximo, quando um familiar é diagnosticado com uma doença grave, quando se fica pensando se vai querer filhos ou não, se vai casar de novo, se recomeçar outra faculdade é bobagem ou é felicidade, em suma, enquanto nada se faz, o tempo simplesmente voa. E mesmo achando que você pertence à turma do Peter Pan, se dá conta que tudo era, na verdade, um conto de fadas, e que não dá para rebobinar. O que passou, passou, mas valeu!
E se você pudesse fazer uso de um novo software que lhe diz com 80% de precisão quando você irá partir, você seria aquela pessoa curiosa que quer sempre saber tudo antes de todos? O que você faria? Não sei se lhes trago uma boa ou má notícia, mas aos que sofrem de problemas cardíacos já é possível prever a morte com um ano de antecedência. Talvez haja uma vantagem perante as demais doenças, até porque você pode morrer de um “colpo” (golpe), como diria minha mãe, querendo chamar de “morte querida”, se é que se pode dizer.
De qualquer sorte, você aí que já está pensando em planejar sua despedida na vida terrena, pode até achar que a vida para você foi “encurtada”, ou que um sonho lhe foi tolhido, mas quiçá, com auxílio do sistema de inteligência artificial aplicada inclusive a doenças crônicas, você, futuro de cujus, vai ter tempo de deixar a bagunça organizada (ao menos para minimizar a dor dos herdeiros), a conta zerada (de tanta curtição pré-funeral) e com a consciência tranquila. Vamos e convenhamos, acertos são melhores quando feitos olho no olho, do contrário, vai ter muita gente acreditando em assombração.
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