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De como matar um país – por Orlando Fonseca

O cidadão Dimitris Christoulas, aos 77 anos, suicidou-se em 2012, na Grécia. Só naquele ano, outros 600 gregos haviam cometido o mesmo ato de desatino. Para um país com 10 milhões de habitantes, seria quase uma epidemia, considerando que, até 2008, o país era o que apresentava a menor taxa de suicídio entre os europeus. O motivo, como de seus desesperados parceiros de infortúnio, foi a redução drástica de sua aposentadoria pelo governo. Em uma carta que o Dimitris deixou, seguindo a tradição milenar de seu povo, produziu quase que uma síntese filosófica sobre a tragédia nacional: “Não estou me suicidando. Estão me matando”.

Tendo mergulhado em uma profunda recessão, com o desastre econômico de escala mundial, em 2008, a Grécia passou por medidas de austeridade impostas por fortes pressões do FMI. Pode-se dizer que foram draconianas – lembrando Drácon, o legislador ateniense que redigiu um rígido código de leis para debelar conflitos sociais, no século VII a. C. O socorro em euros veio acompanhado de desastres pessoais como o histórico avassalador de suicídios, exílios, falta de perspectiva para os mais jovens. Sempre que se fala em ajuste fiscal, não se está pensando em pessoas que trabalham de manhã para fazer, à noite, a única refeição do dia; não se está pensando em idosos que reservam uma boa fatia do dinheiro da aposentadoria para garantir remédios. As medidas macroeconômicas não são ergonômicas, não têm como parâmetro o indivíduo, aquele que batalha no dia a dia o seu sustento, o pacato cidadão. Justamente aquele que, por só dispor de sua força e sua energia, depende do Estado para garantir as condições mínimas de dignidade.

No entanto, deixando a tragédia grega de lado e olhando a tragicomédia – quase uma pornochanchada – brasileira, não está longe o que se vê por aqui. Quando a coisa aperta em termos de PIB, inflação anual, déficit primário, balança comercial, vale o ditado popular: farinha pouca, meu pirão primeiro. E se quem governa é farinha do mesmo saco, aí mesmo é que não sobram migalhas para o populacho. Cortes dos gastos públicos são, na verdade, feridas que demoram a cicatrizar. É medida mais letal do que a recessão. Segundo pesquisas realizadas por especialistas das universidades de Oxford (Inglaterra) e Stanford (EUA), as decisões tomadas por muitos governos após a recessão mundial de 2008, não privilegiaram o bem estar da população. E isso tende a aumentar, justamente, os desatinos como os de Christoulas e seus conterrâneos.

A receita neoliberal, que já fez os seus estragos – mas que ainda persiste nas falácias “modernizantes” dos gestores públicos e parlamentares brasileiros -, significa a destruição da rede de proteção social, atingindo os mais vulneráveis, sem trazer o desejado efeito de recuperação. Os exemplos de responsabilidade para com a cidadania estão nas estratégias de preservação social tomadas por países como Noruega, Finlândia, Canadá e Japão: medidas de proteção que mitigaram os efeitos devastadores do crash global de 2008. Um país desenvolvido não significa aumento da riqueza do seu 1% mais rico (com a desculpa de que serão estes que aumentarão a produção e gerarão empregos). Contra um governo ilegítimo que parece promover um suicídio coletivo, só mesmo a unidade da cidadania para revigorar os princípios democráticos e dos valores humanos.

LIVRO QUE LI – Valsa negra, de Patrícia Melo.

Este livro não está entre os últimos lançamentos da autora, talvez sequer esteja entre os melhores desta premiada escritora brasileira, que também tem trabalhos para o teatro e cinema. Da Patrícia eu conhecia apenas o excelente O matador, de 1995, e já com inúmeras reedições e traduções para diversas línguas.

O Vítor Biasoli me emprestou o livro, lançado em 2003, como boa sugestão de leitura. Trata-se de uma narrativa densa, em primeira pessoa, conduzida por um maestro, sem indicação de nome – registre-se que a escritora é casada com um, o famoso John Neschling -, o qual vai despejando a conturbada relação com Marie, sua segunda mulher, 30 anos mais nova. O romance entre os dois se desenrola como em uma montanha russa, entre amor, sexo, música e ciúme. O suspense fica por conta do aspecto doentio das suspeitas do maestro, o que beira a insanidade. O cara é um psicopata, e como é típico da produção de Patrícia Melo, os desdobramentos da ação dramática são revelados, digamos, de dentro da cabeça de um sujeito completamente perturbado.

Marie é violinista, vem de uma família judia, que de repente começa a se interessar por Israel, e isso também serve para amplificar as paranoias de seu marido. Entre a ex-mulher, uma filha – com um dos pontos altos do drama –, uma secretária ex-alcoólatra e um cachorro, a história anda quase aios trancos, mas, como diria o meu amigo Vítor, a autora segura a peteca. E o que mais impressiona: produz uma personagem masculina com toda a verossimilhança.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta nota, lá no alto, é reprodução da internet, da comoção provocada pela morte do suicida grego.

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