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Brado retumbante – por Orlando Fonseca

Quando o Osório Duque Estrada escreveu a letra do hino nacional, nem se cogitava de uma tal “opinião pública”. Só decidiam pelo país os letrados, os endinheirados, os livres; mulher não votava, pobre não dava pitaco. Então, o que seria hoje o brado retumbante de um povo heroico, que as margens plácidas do Ipiranga ouviriam? Bem, pra começar, o riacho Ipiranga já não ouve mais nada. Os heroísmos, se não deram em bravatas, são gestos mais para o espetáculo do que para o bem da Pátria, mãe gentil – a qual, para alguns (que usufruem impunemente de sua herança) não passa de uma velha senhora depositada num asilo para idosos.

O que retumba hoje em dia é o que a mídia amplifica: e dá pra confiar no que ela faz ecoar? Ao povo restaria ainda algum resquício de heroicidade? Tenho pra mim que apareceria na tela do Pedro Américo como aquele tropeiro figurante que olha a pose do nosso libertador, não se sabe se admirado ou apavorado. Talvez não estivesse sequer do lado de cá, entre os que admiram o quadro, quem sabe, como na canção do Zé Ramalho, estaria bovinamente curtindo a sua “vida de gado”.

Assim como os termos anacrônicos, muita coisa teria de passar por uma re-leitura para que aquele símbolo sonoro falasse algo para o nosso tempo. Já vão longe as jornadas de junho de 2013; o “não vai haver Copa” se transformou em uma (esta sim retumbante) derrota de 7 a 1 para a Alemanha; com o impeachment da presidenta, fomos caindo, desde a condição de 7ª economia do mundo, para um poço sem fundo. A Lava Jato, com seus vazamentos e com suas sentenças seletivas, virou filme, espetáculo midiático, e a corrupção – que era para ser levada pelos jatos higienizantes desde Curitiba – segue sendo a moeda de troca no meio político brasileiro. O “vem pra rua” e o Pato amarelo da Fiesp” se recolhem envergonhados das inconsequentes provocações que colocaram no palco, em Brasília, Temer e sua catrefa citada e re-citada em delações premiadas. O parlamento, comandado pelo Fufuca, engendra as reformas para manter o trabalhador em regime de semiescravidão, e avaliza a venda do patrimônio público – incluindo a Amazônia, a preço de banana – ao capital especulativo internacional. Se, para mantermos a nossa liberdade, precisamos de pulmões fortes e gargantas altiloquentes, então, de onde viria esse “brado retumbante”, desfigurado pela imprensa como o filete de água do Ipiranga moribundo?

Podíamos dimensionar o “gigante pela própria natureza” por outros indicadores, mas é oportuno falar em economia, enquanto o primeiro mundo se debate em crises econômicas e fraudes bancárias. Pelo que se lê ou se ouve, retumbante é a descrição de um país mal governado e sem rumo. Uma coisa precisamos mudar: queremos paz no futuro, mas não podemos continuar louvando apenas as glórias do passado. Cento e noventa e cinco anos depois daquele grito amplificado pela poesia de Duque Estrada, é dentro de cada cidadão que se deve espelhar a grandeza deste florão da América.

PATRIPOÉTICO

Esta semana um poema, anti-épico, e até meio antipático, à guiza de celebração da Semana da Pátria que começa e abre espaço pra gente perguntar: quem somos? Entre a descoberta e a independência resta algum lugar para colocarmos o que chamamos de Brasil brasileiro?

CABRAL, EMBOLOU O MEIO-DE-CAMPO

Um Cabral nos descobriu,
sem descobrir quem somos.
Agora o que nos resta é arriscar
feito Colombos,
dar voltas e mais voltas pelo mundo,
a Pátria aos ombros,
a fim de traficar
– por bem, por mal –
especiarias e miçangas
que traduzam
nossa identidade nacional.

Pau pra toda obra,
santo do pau-oco,
madeira de dar em louco,
pau-brasil, tição, braseiro,
identidade
e profissão de brasileiro.
Pátria-Mãe gentil,
eu vou sem lenço, documento,
e sem dinheiro.
Não sou marinheiro,
sou zagueiro, e desconheço
quem segura as pontas do timão.
Já estamos no segundo tempo,
e não tem prorrogação.

Meio índio,
meio branco,
meio preto,
redimidos pelas cores da bandeira
e pelo som
de uma aquarela brasileira.
Meio tudo,
meio nada,
meio vivo,
meio morto
nadando contra a corrente,
meio torto
meio-ambiente.
Pra frente, Brasil , pra frente
nesta nau dos insensatos!
Se o Cabral não deu um jeito,
bola pra cima, que o jogo é
de campeonato.

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