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Lisergia – por Pylla Kroth

Em meus quarenta anos como frequentador de bares e boates, trinta e cinco foram de um lugar privilegiado, ou seja, em cima do palco atuando. Como canto de olhos fechados, sinto toda evolução da noite e de seus consumidores do prazer e da diversão. Mais uma cervejinha, mais uma dose e a coisa vai acontecendo, se transformando. “Já vi tudo”, ou não?

Houve um tempo em que a noite era dividida em três tempos: tocávamos quarenta e cinco minutos e parávamos quinze pra respirar e “tirar a água do joelho” como dizíamos. A segunda parada que era pra beber um “traguito”, e a última era chamada “tudo ou nada”. Primeiro tempo a galera entrava em aquecimento, segundo tempo, a progressiva, a alegria ia tomando conta, e no terceiro tempo, “se correr o bicho pega se ficar o bicho come”. Havia também a prorrogação, essa era a hora perigosa. (Risos)

Não vou começar enumerar os bares da minha vida, pois foram “infinitos enquanto duraram”. Cada década com seus bons bares. Nos anos oitenta, cansados das peregrinações locais, de bar em bar, quando sobravam umas “merrecas” no bolso, uma boa opção era pegar na sexta-feira o Trem Húngaro na estação férrea (passagem baratinha) e se mandar pra capital “dar um conferes” na noite de lá. Existiu em Porto Alegre na década nesta época um bar chamado “Taj Mahal” e quem me lembrou do fato foi um velho amigo, que carinhosamente chamo de “Black Viking”, depois de lembrarmos várias daqui dos bares de Santa Maria em um encontro dias atrás.

Primeiro lembramos de um personagem da noite, conhecido como Socó, que depois de fazer um experimento alucinógeno apareceu no famoso “Panacéia” em corpo presente procurando sua cabeça. Chegou e perguntou pra moçada: “Não viram o socó por ai?”. Imaginem a “paulada” do boneco! Tomei a frente e respondi que o havia visto lá dentro não fazia muito, e não é que lá foi ele procurar por ele mesmo?!

Mas mais interessante foi a do maluco do “Taj Mahal” da capital, como eu ia dizendo. Era uma noite comum, mas comum nos padrões do Taj. Era verão e estávamos, eu e minha “catrefa”, sentados bem na entrada, esperando a casa lotar. Estávamos no chamado primeiro tempo da noite. O piso do bar era de mármore e tinha uma decoração espetacular: estátuas de gesso, tecidos coloridos, colunas fake, lembrando a índia, num clima inebriante.

E, de repente, surgiu na porta um indivíduo bem peculiar, destes que se encontravam comumente no Bonfá: estilo hippie tardio, muito jovem para ter sido na época áurea do movimento hippie, calça justa blue jeans, botinhas de camurça e camiseta de banda de rock sob uma camisa xadrez desabotoada. Este cara entrou diferente, dando passos estranhos, como se pisasse em ovos ou poças de água, se é que me entendem. Era estranho mesmo, passos largos como se estivesse pisando na lua , ou melhor, nas nuvens – aliás ele devia estar na nuvens mesmo pois quem não estava naquele dia e lugar? (risos) Caminhou em nossa direção nos causando inveja tamanha “viagem” que era impossível não notar.

Meu amigo até comentou comigo: “queria estar igual a ele!”. Disse “oi” com clareza e voz aveludada para todos e seguiu a passos de astronauta até uma das estátuas que compunha a decoração e, surpreendentemente, parou perto dela, ficou uns segundo ali parado como se ouvisse algo. Ele realmente ouviu, acreditem! Ouviu e veio até nós. A nossa curiosidade era grande, nível 10, de 0 a 10.

Ele se aproximou e pediu licença respeitosamente com voz de anjo e perguntou se alguém ali tinha um colar. “Um colar?”, perguntamos surpresos. “Sim , um colar!” respondeu o argonauta. E nós: “Um colar pra que? Ou pra quem?”. “Pra ela” disse o starman. “Mas ela quem?”. E ele respondeu mais sério que juiz de alçada: “Pra ela!”, apontando pra estátua. Silêncio na galera com sorriso tímido, e um gaiato de nós perguntou: “Oh pra ela? Que tipo de colar ela usa?”.

Ele fez um sinal de espera para todos, foi até a estatua, fazendo toda a pantomina já descrita de quem fala com um interlocutor de carne e osso e logo voltou e fez a revelação: “Um colar de perolas”. E novamente a gaiatice pintou: “Mas pérolas de que cor?” O sujeito novamente fez o mesmo gesto e retornou lá na “Dona Estátua” a fim de perguntar qual a cor, ao fazê-lo desta vez encostou seu ouvido na boca da estátua como que para melhor ouvir o que ela dizia. Pouco depois ele retornava com a resposta: “Amarelo, um colar amarelo é o que ela quer, mas tem que ser amarelo mesmo!”. Enfim, querendo ver onde iria dar tudo aquilo lhe respondemos que era uma pena não termos nenhum colar amarelo, e que portanto não iria rolar. Diante disto, ele novamente voltou até a estátua e fazendo uma cara de quem lamenta deu o veredicto: “Não tem colar amarelo”. Depois disto, saiu porta a fora sem ao menos pagar a conta, para o espanto até dos seguranças da casa.

Esses são só uns, dos muitos exemplos que vi e presenciei de atitudes lisérgicas resultantes de um substância muito consumida na época, desde os anos 50, por varias gerações da contra cultura: dietilamida do ácido lisérgico, sintetizada por dois químicos suíços em 1938 acidentalmente, popularmente conhecido como LSD ou simplesmente “ácido”. Jovens diziam usar para testar suas imaginações, além corpo físico e inúmeros artistas fizeram experiências com o uso da mesma.

E é nessas que me questiono o que estariam usando hoje em 2017, por que assisto cada situação da imaginação da juventude atual que me fazem perguntar: se antes dava pra entender que aquelas “viagens” eram resultantes do uso desta droga com este objetivo, algumas “viagens” incompreensíveis (para mim), que assisto hoje, seriam pelo que e por quê? Sim, porque apenas para dar um exemplo, os bares de hoje têm até telões de TVs em três dimensões com gamas de cores e luzes e sons que outrora eram inimagináveis, não havendo mais a necessidade do uso da “dita cuja” para experimentar situações extrassensoriais. No entanto, ainda assim a paranoia que é ficar uma horinha em um bar hoje é terrível, assustadora, me parece. Ou estou velho demais para entender ou perdi minha capacidade de percepção do mundo atual. E lhes confirmo: estou sóbrio. Pare o mundo que eu quero é descer!

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