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Elas e Eles – por Luiz Alberto Cassol

Seu Adherbal Ferreira disse que nunca imaginara estar no palco de um festival de cinema. O motivo era a morte de sua filha.

Nenhum pai, mãe, sobrevivente ou familiar queria estar ali. Foi minutos antes da exibição, no Festival de Gramado, do documentário “Janeiro 27” (*), que trata sobre a tragédia da boate kiss.

Escrevo este artigo em tom de desabafo.

Me aproximei muito dos familiares. Passei a ser amigo pessoal de alguns, frequentar suas casas, trocar mensagens, telefonemas, insônias, sorrisos, lágrimas e longos e fraternos abraços com eles e elas.

Esses pais são heróis. Eles transformaram sua dor infinita em auxílio aos sobreviventes e a entidades assistenciais. Mas eles nunca quiseram ser heróis. Não lhes foi dada essa chance.

Heróis e heroínas foram meninos e meninas que retornaram para ajudar suas amigas e amigos a saírem daquele local, sendo que  muitos não retornaram.

Como aquela boate estava aberta? Pais e mães confiaram em deixar suas filhas e filhos lá.

Essas mães nunca quiseram ser exemplo para ninguém, por suas atitudes honradas nesses quatro anos na busca de uma reposta para a perda das filhas e filhos. Pergunte para elas como é acordar a cada dia desde então. Questione se elas queriam ser exemplos pelo motivo que as levou a ser.

Indague se gostariam de dar entrevistas, posar para fotos, fazer discursos em função das circunstâncias em que foram parar nessa situação.

Pergunte, questione, indague. E o semblante e o fundo dos olhos de mães e pais irão revelar a mais absoluta sensação de não pertencimento a nada. Não há explicação.

Não verbalize conselhos se colocando no lugar deles e delas. É impossível! Uma frase de apoio sempre é aceita, mas um profundo abraço é o que se pode fazer de mais verdadeiro.

Saiba: desde que a tragédia aconteceu nenhuma resposta concreta foi dada a eles e elas.

Muitas coisas acontecem no dia a dia desse período. Exemplifico, abaixo, algumas dessas barbaridades.

Saiba que tem seres humanos que passam por eles e elas, em sua tenda da vigília, onde homenageiam seu filhos e filhas, e dizem para irem para casa, que interrompam seu choro, pois já é demais. Como assim é demais? Como mensurar em tempo o imensurável, o inaceitável, o atroz. Respeite, por favor.

Saiba que três pais e uma mãe estão sendo processados. Uma inversão completa de valores. Além da perda, o fardo de um processo. Contudo, saiba que não estão sozinhos. Mães, pais, sobreviventes e familiares manifestam-se ao lado deles. O processo, perto do que passaram, não representa nada. Mas por que colocar mais esta carga na vida deles? É incompreensível.

Agora, nesse 27 de janeiro, a coletividade santa-mariense se mobiliza, contudo vamos ao ponto. Passada a data, a maior parte da comunidade os ignora e lhes dá as costas, quase como querendo lhes esconder.

Saiba que a tragédia faz parte da história de Santa Maria. Reconheça.

Eles e elas precisam de um pedido de desculpas da comunidade.

Eles e elas precisam de um memorial para seus filhos e filhas.

Eles e elas precisam de aceitação e carinho.

A dignidade da cidade de Santa Maria passa necessariamente por isso.

Colabore para que vivam seu luto, sua perda. Apoie suas manifestações. Compreenda cada camiseta, faixa, cartaz, balão.

Elas e eles são donos do grito mais silencioso que já ouvimos. Do silêncio mais ensurdecedor que já tivemos contato.

(*) Luiz Alberto Cassol é cineasta e, com Paulo Nascimento, diretor do documentário “Janeiro 27”

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