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ESPAÇO ALVIRRUBRO. Leonardo da Rocha Botega desabafa: o dia em que o futebol se tornou perdedor

O dia em que a Barbárie venceu!

Desde que começamos a escrever o Espaço Alvirrubro nosso objetivo sempre foi um só, transformar em literatura uma das mais belas artes em forma de esporte que já foi inventada pela humanidade: o futebol. Nosso pano de fundo são sempre a Paixão pelo Esporte Clube Internacional. Resgatando os personagens visíveis e anônimos que resistem na tarefa de fazer respirar um clube do interior do Rio Grande Sul, de muitas histórias, mas de muitas dificuldades diante de um esporte que, gradativamente, tem sido sequestrado pelo lucro. É a poesia do drible do humilde, do canto da fuga temporária das mazelas do perverso cotidiano, do abraço do “amigo oculto” que tem como uma única identidade a mesma camiseta. Porém, infelizmente dessa vez não há como ser poético ou até mesmo lírico.

Poderia falar aqui dos méritos do time do Pelotas, do técnico Paulo Porto, que em campo soube fazer prevalecer seu estilo de jogo e conseguir os resultados necessários para a vaga na Série A do Campeonato Gaúcho. Poderia falar do jogo em si, marcado por um equilíbrio, onde cada uma das duas equipes dominou um dos tempos da partida, mas que, porém, somente o Pelotas conseguiu converter uma jogada em gol, aos 25 minutos do primeiro tempo, com Adriano Lara. Poderia falar das defesas dos goleiros Giovani, do Pelotas, e João Paulo, do Inter-SM, responsáveis diretos pelo placar ter sido apenas 1×0. Mas não! Diante da barbárie não há permissão literária e narrativa verossímil que resista.

Hermann Hesse, em uma passagem de sua obra prima “Lobo da Estepe”, produz um diálogo onde o personagem principal Harry Haller fala sobre a constituição de um sentimento coletivo que estava tornando possível a ascensão do nazi-fascismo. Se dirigindo a encantadora Hermínia, o “Lobo da Estepe” fala da conversão da vida em algo monótono e estúpido e exclama que dessa forma “teremos de renunciar a tudo, ao espírito, às aspirações; teremos que destruir a humanidade, teremos que permitir que reine o egoísmo e o dinheiro e esperar a próxima guerra com um copo de cerveja à mão”. Obviamente, a história não se repete, nunca assume na mesma forma anterior, porém, é inegável que a sensação de que o passado é atual em muitos momentos é uma quase verdade.

Diante de um cenário onde o jogo pelo poder fez despertar múmias assustadoras adormecida, a barbárie se prolifera. Um cenário onde líder político que renega todos os valores civilizatórios traduzidos ao longo de séculos como direitos humanos é chamado por muitos de “mito”. Um cenário onde ganham vozes pedidos para se tirar da lata de lixo uma “Intervenção Militar”, uma quinquilharia autoritária que contribuiu e muito para chegarmos aonde estamos. Um cenário onde a estupidez passa a ser minimizada como atos que não chocam mais. Assim, a guerra cotidiana ganha força e passa a ser tratada a partir da “modernização da imbecilidade” como “mimimi”!

Todos os envolvidos com o futebol no Rio Grande do Sul sabiam das possibilidades de que a barbárie vencesse no jogo de volta das semifinais que decidiria a vaga do acesso. No dia 08 de abril, quando escrevemos sobre o jogo de abertura do returno da primeira fase, já narramos os absurdos dos atos racistas e da truculência de alguns membros da Polícia Militar que preferiram proteger racistas e agredir as vítimas em um jogo que não era decisivo. Para completar o quadro daquele dia em que “perdemos duas vezes”, o ônibus da delegação do Inter-SM ainda foi apedrejado na saída do estádio. Mais recentemente, no dia 28 de maio, o árbitro Eder Davi Zanella descreveu os absurdos ocorridos no jogo Pelotas 3×0 Esportivo. Árbitros agredidos, xingados por dirigentes, fogos de artifício arremessados em direção ao gramado, torcedor preso antes do início do jogo por arremessar pedras no quarteto de arbitragem, invasão de campo, tudo registrado na súmula do jogo e disponível para consulta pública no site da FGF: http://www.fgf.com.br/public/uploads/sumulas/5b0dc3a4a383fPEL_X_ESP.pdf.

Porém, mesmo diante destes relatos o presidente do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), Carlos Schneider, decidiu por não punir preventivamente o Pelotas, mantendo a partida de volta no estádio Boca do Lobo. Ao mesmo tempo, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol se manteve em silêncio e o próprio TJD não teve nenhuma pauta na sua última reunião. Nenhuma atitude, nenhuma condenação, nenhuma crítica ao discurso oportunista de “vão ter que engolir o lobo” pronunciado nas Redes Sociais do E.C. Pelotas. A negação da civilização e a permissão de que “reine o egoísmo e o dinheiro” estavam dadas. Nem mesmo o excelente trabalho realizado pela Brigada Militar no primeiro jogo aqui em Santa Maria serviu para amenizar a ânsia em “proteger” a infâmia. A tragédia anunciada se confirmou mais uma vez.

Ao final do jogo, nova invasão de campo, setores da torcida do Pelotas se dirigem ao local onde estavam os torcedores alvirrubros num ato que diante do histórico anterior foi visto como ameaçador. Mais uma vez, alguns membros da Brigada Militar, ao invés de conter o avanço dos torcedores do Pelotas, preferiram violentamente “jogar para fora do estádio” os torcedores do Inter-SM. Para piorar ainda mais o cenário, torcedores do Pelotas se dirigiram ao vestiário onde estavam os jogadores alvirrubros arremessando pedras e tentando invadir aquele espaço que é exclusivamente destinado aos jogadores e à comissão técnica, causando ferimentos em alguns jogadores. Os vídeos do momento em que esse ato de vandalismo ocorreu mostram claramente os jogadores e a comissão técnica acuados e nenhum policial ou segurança do estádio protegendo aquele espaço. Uma cena de medo e insegurança.

Tenho descrito nesse espaço que o futebol é um fenômeno belíssimo, uma comunhão de afetos, mas que não é algo separado da sociedade. É um esporte que reflete o contexto social. Os constantes casos de racismo, machismo e homofobia, as estúpidas palavras pronunciadas em nome do “ganhar sem ética”, a transformação do adversário em inimigo a ser exterminado, refletem o nível anticivilizacional de uma sociedade. Porém, isso não brota do solo como uma planta que precisa ser regata, isso é alimentado fora de campo por dirigentes e autoridades que pensam apenas em soluções fáceis e rápidas que, sobretudo, lhes permitam seguir em cargos de mando e poder, garantidos pela postura de quem espera “a próxima guerra com um copo de cerveja à mão”.

Por fim, de minha parte, humildemente, peço perdão para aqueles que esperavam a leveza literária de uma despedida de campeonato com muitos “obrigados”, que é o que os meninos do técnico Vinicius Munhoz merecem nesse momento. Infelizmente, nesse texto isso não foi possível. A barbárie venceu!

OBSERVAÇAO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica foi retirada da ‘fanpage’ oficial do Internacional-SM no Facebook.

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2 Comentários

  1. Muito ruim! Esporte não isto! Só aqui na Terra Brasilis do “tudo pode”, inclusive manifestações a favor do errado!

  2. Parem de chorar!! Essa é a diferença que faz uma cidade que vive com seus times locais, e não aquela dupla sanguessuga da capital. Sobre o acontecido, foi algum vândalo infiltrado na torcida que comenteu essas atrocidades. Pois quem é torcedor não quebra seu maior patrimônio, o estádio. Estive na torcida e entrei no campo ao fim do jogo, não para brigar, para comemorar a volta de meu time que estava a quatro anos nessa desgraça de competição. Percebi que não tinha policiamento suficiente para suprir aquele estádio cheio, não planejaram direito. E por último, ti convido a assistir um clássico braPEL!!! Onde a paixão e o amor por seus times reina!! Saudações áureo-cerúleas e dale dale lobo!!!

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