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Dos cabos – por Orlando Fonseca

Sempre aparece um cabo a atravessar a histórica jornada, quase sempre difícil, da esquerda brasileira. Enquanto os portugueses, nos áureos tempos das grandes descobertas, precisavam atravessar o Cabo das Tormentas, depois de singrar o Mar Tenebroso – hoje, Atlântico – para chegar às Índias e às glórias náuticas (quando passaram a chamá-lo de Cabo da Boa Esperança), por aqui tenebrosos são os caminhos da democracia e os cabos ficam atravessados no caminho.

Como ensina o velho Marx, primeiro em tragédia, depois em paródia – ou farsa. É o caso, entre o famigerado Cabo Anselmo e a sua ação que redundou na derrubada de Jango, na década de 60 do século passado, e o histriônico Cabo Daciolo, em sua recente ressurreição da mítica URSAL, no debate da Band, semana passada.

Pois o ex-militar, José Anselmo dos Santos, passou à história como o Cabo Anselmo, que iniciou uma revolta entre os marinheiros, tendo como desdobramento a derrubada de João Goulart, presidente eleito, no conhecido golpe civil-militar de 1964. A partir daí, como sabemos, implantou-se um período de exceção e perseguição política que durou mais de duas décadas.

O cabo, como se ficou sabendo mais tarde, era um agente infiltrado das forças de repressão do governo militar. Foi pelo boquirroto Anselmo que foram capturados não apenas militantes da luta armada, mas também um sem-número de opositores da esquerda, incluindo sua noiva, grávida, morta em prisão militar depois de ser brutalmente torturada.

Já o Cabo Daciolo, antes de ser a bizarria da vez na campanha política deste ano, cumpriu mandato na Câmara dos Deputados, e atualmente é candidato à presidência pelo Patriota. Sua carreira política começou após liderar uma greve dos bombeiros, no Rio de Janeiro. Chegou a ser preso, por encabeçar o motim.

Nestas de surpreender com mudanças bruscas (já foi do PSOL e do Avante) e algumas polêmicas, atualmente o Daciolo é pastor evangélico, com o lema “Deus no comando”. Pero no mucho: seguindo ordens terrenas e intuições profanas, ele é suspeito de desvios da verba indenizatória – grana para o exercício da atividade parlamentar – por meio de uma empresa contratada. Ao Ministério Público Federal Daciolo negou qualquer irregularidade.

Como representante do Patriota, está mais para patriotadas do que para patriotismos, pelo que se viu no debate da Band. Em questionamento ao também candidato Ciro Gomes, resgatou uma Teoria da Conspiração surgida, segundo a lenda, das brilhantes elucubrações do filósofo-delirante, Olavo de Carvalho, primeiro a mencionar a URSAL, em um artigo de 2006.

Posteriormente, nas eleições de 2014, um suposto “dossiê Ursal” teria sido divulgado em um site, reunindo vários links no YouTube e na imprensa brasileira, criando uma fake news (avant la lettre), detalhando a criação do tal bloco de países socialistas da América Latina. Não fossem os criativos usuários da internet com seus memes hilários, e teríamos mais um Cabo – este desencapado – na senda dos progressistas nacionais. Não está fácil dar cabo da indigência intelectual no país.

Resta-nos ficar com a resignação do comportado debatedor e candidato, Ciro Gomes, reagindo à intempestiva indagação do Cabo Daciolo: “A democracia é uma delícia, mas tem os seus custos”. Ainda que eu tenha minhas dúvidas sobre o sabor da versão tupiniquim do regime criado pelos gregos, mas concordo plenamente, pagamos um preço altíssimo para mantê-la neste país tropical, com as falácias dos que apregoam “Deus no comando”.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a foto que ilustra esta crônica é de Divulgação.

 

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