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Pérolas e porcos – por Pylla Kroth

É um conselho bíblico: “não jogueis pérolas aos porcos”. Criança ainda, ao ouvi-lo pelas primeiras vezes, eu ficava pensando: “e lá existe alguém desmiolado a este ponto, de jogar pérolas para um porco? Mas que conselho mais óbvio!”

E, como tinha muita imaginação, punha-me a imaginar colares, anéis e brincos de pérolas, tão em voga entre as senhoras na minha infância, considerados coisas muito finas mesmo quando não eram “pérolas legítimas” como se dizia num tempo em que não se usava ainda a expressão “fake”, sendo lançados no meio do lodaçal de um grande chiqueiro onde a porcada chafurdava.

“Que mais coisa absurda! Não, jamais, ninguém que fosse certo do juízo faria uma coisa dessas!” Mais que óbvio, parecia até mesmo um conselho inútil! Pois não era uma coisa que ninguém faria.

Na minha imaginação infantil eu não cogitava sequer ter algum dia uma pérola (legítima, é claro), assim como nem desconfiava o que neste mundo viria a ser uma metáfora. Na verdade eu nem conhecia a palavra metáfora ainda, quanto menos saber o que significava!

Mas hoje, tantos anos mais tarde, já não tenho tanta certeza da obviedade e inutilidade do conselho. Por que vez ou outra me descubro jogando pérolas aos porcos. Mais do que simplesmente jogando até: insistindo em tentar convencer os porcos a usá-las, brincos, anéis e colares de “pérolas legítimas”!

Dentre todas pérolas que conheço, o conhecimento é a mais preciosa delas; o saber, adquirido pela instrução, pela dedicação ao estudo, a educação, uma pérola negra de raro valor, que não faz uma jóia qualquer e sim a mais valiosa. E me entristece mais que tudo quando eu vejo indivíduos que não fazem bom uso ou até mesmo rejeitam esta pérola, que lhe dedicam pouco ou nenhum apreço nos piores casos.

Como já assinalei em textos anteriores, hoje em dia temos uma enorme facilidade de acesso à informação. Já não é mais necessário ser um cidadão altamente privilegiado ou uma pessoa de grandes poses para obtermos conhecimento, educação, como no passado era necessário.

Em tempos bastante antigos, o conhecimento, enquanto conjunto de saberes científicos, filosóficos, históricos, etc, permaneciam restritos a uma elite intelectual muito reduzida, aos sábios e estudiosos daqueles tempos, que não compartilhavam sua sabedoria facilmente.

Hoje, porém, é possível, por exemplo, acessar uma biblioteca virtual para lermos as obras completas de grandes filósofos e pensadores, poetas ou cientistas de qualquer época da história da humanidade, sem termos que sequer sair de nossa poltrona na sala de casa!

Noutras palavras, o conhecimento está aí, para ser buscado com mais facilidade do que jamais o homem sonhou antes. E, no entanto, o que é que muitos que têm essa possibilidade fazem?

Comportam-se como porcos para os quais pérolas não tem o menor valor e não fazem o menor sentido, e que vesti-las ou pisoteá-las, tanto faz, pois não lhes muda a natureza suína. Não só não buscam como também não querem e, pior, se acham muito espertos e entendidos de tudo mesmo assim!

No último domingo, um templo do conhecimento incendiou-se no Rio de Janeiro, um local quase sagrado, que abrigava milhares de pedaços, desde alguns muitos pequenos até outros gigantescos de conhecimento, de saberes, de resultados de estudos e trabalhos e dedicação na gradual construção do conhecimento, que é feito pérola nascida de camadas e camadas de nácar envolvendo um grão de areia. Pedaços agora carbonizados ou tornados cinzas e pó, consumidos, destruídos fisicamente e perdidos para sempre.

E como se só o descaso com que este templo, o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, foi tratado por anos a fio até culminar nesta tragédia não fosse o bastante para me entristecer e me revoltar, eu ainda tenho de presenciar o desdém e a face medonha da ignorância de algumas criaturas se manifestando sobre o fato, com comentários que me fazem questionar se estou mesmo ouvindo ou lendo corretamente ou são meus ouvidos ou meus olhos que me enganam.

E então me percebo mais estarrecido do que a criança que não conhecia metáforas ainda, descobrindo o quão habitual que é algo tão absurdo quanto lançar pérolas aos porcos!

E então eu temo, temo muito, que algum dia aquele conselho comece a ser seguido, que aqueles que ainda possuem e buscam por pérolas diligentemente, cansados, perdendo a esperança na humanidade tal como ela se tornou nos dias de hoje, parem de lançar e compartilhá-las até mesmo com os que as vestiriam como as jóias que são.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.

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Um Comentário

  1. Apesar de não estar no contexto do brilhante texto, esta frase me acompanhou por muitos anos e foi um dos motivos pelos quais tive horror à matemática. Era usada por um “professor” da disciplina no ensino médio quando não entendíamos suas explicações. Lembranças nada agradáveis……….

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