COMPORTAMENTO. O que era sonho virou urgência: casais LGBT relatam porque antecipam o casamento
Do jornal eletrônico SUL21, com texto de LUÍS EDUARDO COMES, com foto de Arquivo Pessoal
Eduardo Silva, 36 anos, e Ramires Sanches, 24 anos, tinham planos de se casar. Mas era coisa para o futuro, um não muito próximo. Começaram a namorar em 2015, depois de se conheceram em um aplicativo de namoro. No ano seguinte, passaram a morar juntos. Na melhor das hipóteses, imaginavam oficializar o casamento em 2020, com tempo para planejarem uma festa. “Estávamos amadurecendo a ideia, depois adotar uma criança, constituir família, mas tudo no nosso tempo, sem muita pressa”, diz Eduardo.
A tranquilidade cedeu espaço para o temor de que esse direito conquistado apenas nesta década pela comunidade LGBT possa ser retirado após a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) na corrida presidencial. Para além da retórica homofóbica do deputado federal, o medo é de que o movimento conservador que o conduziu à cadeira que ocupará a partir de 1º de janeiro atue para legislar pelo fim do casamento entre pessoas do mesmo gênero.
O casal cita a declaração da presidente da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Maria Berenice Dias, recomendando os casais LGBT a “correrem para os cartórios” como um dos alertas que os levou a adiantar os planos de casamento. “É inquestionável a postura homofóbica do presidente eleito. Ainda que ele tenha arrefecido seu tom de escracho, não assume nenhum compromisso pelos direitos dos gays”, disse Maria Berenice.
Eduardo diz que a ideia de planejar a longo prazo era para poder fazer uma cerimônia adequada, convidando os amigos. “Coisa que, no momento, a gente não tem a menor condição de poder organizar. O que vai acabar acontecendo é que, na melhor das hipóteses, a gente vai acabar fazendo um casamento daqueles de cartório, rapidinho, e não vamos poder realizar o sonho como gostaríamos”, afirma.
Outro motivo para alerta é um projeto de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), em tramitação no Congresso, que prevê a suspensão do casamento entre pessoas do mesmo gênero. Apesar de Malta não ter sido reeleito, ele é próximo do presidente eleito e cotado desde o período eleitoral para ocupar um ministério.
A advogada Isabel Cristina Sant Anna diz que a situação do casamento LGBT é precária pois ela é permitida atualmente apenas devido à uma recomendação emitida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, que obrigou os cartórios a realizarem casamentos entre pessoas do mesmo gênero. A determinação veio para regulamentar uma decisão tomada dois anos antes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar união estáveis para casais LGBT. No entanto, conforme explica Isabel, trata-se apenas de jurisprudência, podendo ser revertida por legislação aprovada em Congresso, como é o caso da proposta de Magno Malta.
Ela destaca que, na “letra fria da lei”, a Constituição reconheceria apenas o casamento entre homens e mulheres e que recomendação do CNJ consiste em uma “mutação constitucional”, isto é, uma mudança de entendimento. “O que pode acontecer a partir de janeiro? Por medida legislativa, como o Bolsonaro deve ter a maioria no Congresso, pode-se simplesmente extinguir essa recomendação. Também pode mudar por Medida Provisória, que depois tranca a pauta do Congresso, ou derrubar pelo STF caso a composição mude e ele nomeie um aliado. O preocupante é que você não sabe o que vai acontecer daqui para frente”.
Presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do RS (Arpen-RS), Arioste Schnorr destaca que ainda não é possível perceber um aumento significativo no número de pedidos de registro de casamentos entre pessoas do mesmo gênero nos cartórios do Rio Grande do Sul em razão da eleição de Bolsonaro. Ele diz que, na semana passada, fez um levantamento entre os demais proprietários de cartórios e nenhum deles havia percebido diferença na movimentação. No entanto, afirma que, ao refazer a enquete nesta semana, já percebeu uma “pequena elevação” em algumas cidades. “Em regra, não poderíamos dizer que está havendo uma procura maior. Em alguns municípios, como Passo Fundo, Pelotas e Santa Maria, dizem que está aumentando a procura por informações. Nos demais, não há uma demanda que chame a atenção”, afirma…”
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