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O mão-de-vaca – por Pylla Kroth

Quando digo “vou te contar uma história”, minha mulher já vai se adiantando em dizer: “lá vem ele com o menininho ou o Alípio!” E dito e feito, são duas personagens que geram frutos em minha imaginação real. Então, hoje vou contar mais uma do Alípio, mas desta vez com o menininho junto.

Como os leitores daqui já sabem Alípio é o mesmo citado aqui várias vezes, meu vizinho benzedor, marceneiro e carpinteiro que tinha um probleminha na dicção das palavras e letras como o “c” e “s”, entre outras. Por exemplo, a esposa ele chamava de “Luide”  quando na verdade ela se chamava Lurdes, e quando ele “tomava uns tragos” sentava na escada dos fundos de sua  casa e colocava no toca-discos uma música e assim cantarolava junto em alto e bom som, “Tem “mukito” no “talão” tem, tem tem!”, uma música gaúcha muito antiga que contava uma história de um gaúcho largado, meio mal acostumado, que apagou o lampião no baile e saía a dar beliscadas nas prendas.

Ele cantava e dava risadas sozinho, e isso para mim, garoto, era uma atração e eu dava risadas vendo a cena bem de longe, pois sempre tive grande respeito pelo Seu Alípio, que era o benzedor das tormentas. Quando o tempo se armava e ele se vinha com seu machado nas mãos e cravava na terra, jogava a peneira no ar a separar o céu e o inferno e aos raios e trovões em discussão com os santos para que nos livrassem da tempestade. Eu tinha muito medo de tempestades, mas hoje, adulto, assisto uma tempestade como uma reação natural da natureza que tanto maltratamos e seja o que os deuses quiserem.

Seu Alípio era um homem muito honesto, porém era sovina barbaridade, mão-de-vaca, pão-duro, muquirana, como dizem popularmente e assim o davam como referencia simbólica no lugarejo donde eu vim.

Certa vez eu estava na entrada do Café Bar central da cidade e lá veio o meu vizinho. Bar lotado, sentou-se no único banco vazio e pediu um café pingado, ou seja café misturado com “um pingo” de leite, e um pastel. Eu me aproximei e lhe dei bom dia. Ao que ele me respondeu com uma voz autoritária me perguntando se minha mãe sabia que eu estava no centro e em um bar. Lhe respondi afirmativamente e ele apenas deu uma bufada de reprovação.

Comeu, bebeu e levantou-se e se foi pro lado da porta da saída do bar. Eu, muito atento, percebi que ele não havia pago a conta e como não tinha gostado nem um pouco da sua reprovação quanto a minha presença no bar, chamei rapidamente o bolicheiro, que sempre me deu um agrado quando eu ia lá e tirava alguns copos das mesas em troca de umas balas ou um picolé de fabricação caseira sabor de groselha, um clássico da minha infância, e lhe alertei que o sovina estava saindo de fininho, sorrateiramente sem pagar a conta.

Assim, o bolicheiro exclamou: “Ô, Seu Alípio!” E pra não ficar evidente e não ofender o mão-de-vaca, lhe perguntou com jeito: “não está esquecendo de nada?” Seu Alípio apenas olhou, fazendo um trejeito com a cabeça com uma expressão interrogativa. O bolicheiro então acrescentou de forma explicativa: “não vais pegar o seu troco?” Seu Alípio, sem se fazer de rogado, fez um meneio com a mão como quem joga algo sobre o ombro, franzindo o nariz com expressão de que não está nem aí lhe respondendo: “amanhã eu pego!” (risos) E nunca mais!

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução de internet.

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