Tragédia

KISS. Coronel Gerson da Rosa Pereira, condenado em 2015, fala pela primeira vez sobre a tragédia da boate

Por Cassio Filter e Fernanda Szczecinski / GAZ

Um prédio em chamas, homens quebrando as paredes do local, corpos sendo carregados. As imagens da tragédia que completa seis anos no próximo dia 27 foram transmitidas ao vivo para todo o País e permanecem vivas na memória de familiares, amigos e de todos que presenciaram, de perto ou longe, o horror que tomou conta da Boate Kiss naquela madrugada. Em meio ao caos, na linha de frente do socorro, estava o tenente-coronel Gerson da Rosa Pereira, atual comandante do 6º Batalhão de Bombeiros de Santa Cruz do Sul. Na época, ele era chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros de Santa Maria e foi a primeira pessoa condenada no processo sobre o incêndio, em 2015. No último sábado, ele falou sobre o caso pela primeira vez, em entrevista exclusiva à Rádio Gazeta.

Na hora em que o fogo começou, aproximadamente às 3h15, Pereira estava em casa com a esposa, dormindo. Tudo naquela noite indicava que a madrugada seria tranquila, até que o telefone tocou, por volta das 3h30. Ao receber a informação de que a boate estava em chamas, Rosa questionou imediatamente se havia vítimas. A resposta que ouviu, anunciando uma tragédia ainda pequena perto do resultado final, foi assustadora: 30 pessoas já estavam mortas.

“Esse número já é algo que foge completamente do normal. Quando tu pensas que pode haver um óbito tu imaginas uma, duas, até dez pessoas, que já é algo assustador, mas que vemos em acidentes de trânsito, principalmente envolvendo coletivos. Mas quando ele me falou em 30 jovens mortos, a situação se tornou ainda mais assustadora. Foi o momento em que eu me conduzi para a Rua dos Andradas, e eu não saí de lá ate hoje.”

Além de tudo que viveu atendendo vítimas e familiares, Pereira sabia que as filhas tinham cogitado ir à festa. As meninas, atualmente com 23 e 25 anos, eram amigas de muitas das vítimas e iriam na boate, mas acabaram desistindo por causa de outros compromissos. O namorado de uma delas, inclusive, era do curso de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde estudava a maioria dos frequentadores daquela noite.

Ao todo, 242 pessoas morreram e 623 ficaram feridas na Kiss. A boate não tinha saída de emergência ou sinalização, e muitos confundiram o banheiro com a porta da rua, morrendo lá dentro. O caso resultou em diversas mudanças na lei sobre segurança dos estabelecimentos.

A madrugada
O caos estava instalado quando o comandante chegou à boate. Pessoas com queimaduras eram transportadas, e jovens já haviam começado a quebrar as laterais do prédio com marretas. “A situação já era praticamente definida, porque médicos legistas estimaram de dois a três minutos que aquele gás tóxico tenha levado todos aqueles jovens a óbito. Então tinha a preocupação de organizar aquilo tudo, porque eram diversas instituições trabalhando, bombeiros, Samu, polícia estadual, Exército, e era preciso articular as pessoas”, lembra. Sobre a atuação dos jovens que ajudaram a derrubar as paredes, criticada na época, o comandante afirmou se tratar de algo pensado. “Aquela era uma situação de todos se ajudarem, de tão pouca gente para atender tanta gente envolvida. Os bombeiros estavam fazendo a aeração, que são aberturas no teto da edificação para o gás sair e o oxigênio entrar, e os jovens se ofereceram para abrir as paredes, o que facilitaria a saída de fumaça. Foi uma decisão tomada pelo comandante da operação, e ninguém imaginava que essa fumaça seria tão letal.”

A condenação
Gerson da Rosa Pereira foi condenado, no dia 1º de setembro de 2015, a seis meses de prisão por fraude processual. De acordo com o Ministério Público, ele e o sargento Renan Severo Berleze teriam inserido no arquivo da boate, no Corpo de Bombeiros, documentos que não faziam parte do plano de prevenção contra incêndio da Kiss. Em novembro, Renan aceitou a suspensão condicional do processo em troca do pagamento de dois salários mínimos e da obrigação de se apresentar à Justiça a cada três meses, durante três anos. Gerson não aceitou o mesmo acordo, e o processo seguiu na Justiça.

“Minha condenação se deu porque eu falei que havia excesso de pessoas. E quando isso acontece, tu te preocupas em buscar qual era a capacidade do local. Em razão disso veio um documento e ficou comigo. O plano de prevenção original ficou comigo. O PPCI era igual a hoje, mas não exigia planta. Esse laudo populacional veio da engenheira que fez a boate e, ao encaminhar para a Polícia Civil, isso foi. A polícia, por falta de experiência ou incompetência, imaginou que eu tinha colocado isso dentro do projeto”, detalhou. Sobre ter recusado o acordo, o tenente-coronel afirma que queria justiça. “Me foi proposto transacionar, mas verdade não se transaciona. Eu queria justiça, queria provar que não fiz aquilo e acabei sendo condenado.”

 

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