CRÔNICA. Na estreia no site, Gilvan Ribeiro reflete sobre as responsabilidades de criar filhos. Mas não só!
Do que as nossas filhas (os) precisam? – por GILVAN RIBEIRO (*)
Logo que eu me tornei pai, um mundo totalmente novo se abriu diante de mim. Passei a me relacionar com um tipo de amor que eu jamais havia experimentado antes. Ao mesmo tempo, me via tomado por dúvidas intermináveis sobre os processos da paternidade.
Obviamente que as questões práticas como me manter e dar as condições básicas de vida àquele ser que estava chegando, era o primeiro ponto que eu pensava.
Porém, existia uma questão que tomava a minha atenção de forma inquietante. É algo que, acredito eu, todos os pais gostariam de responder:
Como preparar uma filha (o) para enfrentar os desafios do mundo, eliminando todos os possíveis riscos de sofrimento?
Foi a partir deste questionamento que eu me dediquei a investigar métodos e manuais, no intuito de me preparar para este desafio assustador.
Ao mesmo tempo em que eu pesquisava, me coloquei a refletir sobre uma pergunta chave que, quando respondida, iria nortear o meu processo de aprendizado.
Afinal, o que seria uma criança “preparada para a vida”, que consegue transitar pelo mundo minimizando o sofrimento causado pela labuta do existir?
Para encontrar esta resposta, fiz algo muito simples. Me detive a olhar para os adultos que somos hoje, e quais são as dificuldades urgentes da nossa geração, no sentido de orquestrar a própria vida.
Não precisei ir longe para perceber que o “bug” em comum que temos, está ligado à questão da maturidade emocional, ou melhor, da falta dela.
Estamos todos perdidos. E antes que alguém me acuse aqui de niilismo barato, peço para que olhem em volta. Vamos olhar com sinceridade para as nossas relações, para o quanto somos mimados, inseguros, carentes e dependentes – de forma patológica – da atenção dos outros.
Afinal, somos mesmo adultos ou apenas crianças crescidas?
O que traduz muito bem este quadro são os alarmantes índices de depressão e para ser mais enfático, os crescentes casos de suicídio. Esta é a ressonância que a falta de maturidade emocional implica.
De forma alguma pretendo ser alarmista. Porém, precisamos ter coragem de olhar para tudo isso, pois apenas assim conseguiremos agir de forma eficiente.
Voltando a questão das nossas filhas (os), faço outra provocação: será que alguém que não sabe nadar, se sentiria habilitado a pular na água e salvar um afogado?
Se a vítima for a nossa própria filha (o), iremos pular sem hesitação, porém, um fim trágico já está anunciado.
A relação desta metáfora com a questão da criação das nossas filhas (os) e da maturidade emocional se explica por si só.
Já nos provamos muito habilidosos em garantir alimento, saúde, roupas, moradia e brinquedos divertidos para as pequenas. Como eu já coloquei antes, isso é essencial para o desenvolvimento de qualquer ser humano.
Mas o ponto é que nos perdemos no meio deste caminho. Na tentativa de simplificar a vida em trabalhar, ter uma carreira de sucesso e adquirir coisas, nos esquecemos que a existência humana é muito mais complexa do que isso.
Para colaborar com este quadro, alguns pilares que nos garantiam certa “segurança” começaram a ruir. O modelo de vida que já se apresentava pronto para as nossas mães (e pais), aparece como algo totalmente incerto para nós, e consequentemente para as nossas filhas (os) também. Maior do que a angústia de ter que seguir um caminho engessado, é ter que criar o próprio caminho. Uma liberdade paradoxal.
A consequência de tudo isso são os sintomas que eu já apresentei acima.
Voltando ao ponto inicial, precisamos, urgentemente, “aprender a nadar” se queremos que as nossas filhas (os) se tornem adultas (os) capazes se encontrar a própria felicidade – se queremos realmente entregar ao mundo pessoas resilientes.
No fim da minha investigação eu percebi que não é sobre o que iremos ensinar para as nossas filhas. Mas antes disso, é sobre um processo de cura e evolução emocional que nós mesmos precisamos passar. É sobre cuidar da nossa criança interior, para que possamos realmente ser os adultos que as nossas filhas precisam.
Me servindo de um termo da Psicanálise, todos nós temos questões que precisamos “elaborar aqui dentro”, e são exatamente essas questões que limitam o nosso próprio amadurecimento emocional.
Essa é a busca que considero mais valiosa.
Esse é o presente que a paternidade me trouxe, que é oportunidade de evoluir enquanto Ser, tendo como objetivo principal conduzir a minha filha a fazer o mesmo.
Se tem alguma chance de ela se tornar uma mulher feliz e realizada, sem dúvidas alguma passa por isso: maturidade emocional.
PS: a constante utilização de “filha” e “adulta”, acompanhado de (o) e (os) no texto, surge como um singelo protesto à construção masculina da cultura da linguagem.
(*) GILVAN RIBEIRO, 29 anos, é atleta olímpico e apaixonado pelo jornalismo (cursa o 8º semestre, na UFN) e pela Psicologia (está iniciando o curso, na UFSM)
Eliminar riscos de sofrimento é impossível. Lidar com o sofrimento já é outra coisa.
Não existe receita de bolo, até porque até mesmo as crianças desenvolvem personalidade própria.
Generalizações são perigosas.
Depressão é uma coisa, melancolia outra.
Crescentes casos de suicídio? Afirmação sem base.
Para falar em psicanálise melhor esperar uns 5 anos.
Interessante saber que ‘filha’ e ‘adulta’ são um pequeno protesto, mas ‘mulher feliz e realizada’ não é.
O que um atleta pode passar adiante pelo exemplo, algo que falta muito na sociedade? Autodisciplina. Fazer algo mesmo quando as condições não são favoráveis, mesmo quando ‘não está a fim’.