Resistir na poesia
Por BIANCA ZASSO (*)
Falar de poesia e falar de poetas são coisas diferentes. Isso porque, diferente dos versos, pessoas são passíveis de erros. Um tanto polêmica essa minha afirmação, mas sempre fui da turma dos que acreditam que poesia pode salvar vidas, abrir janelas com vista para o mundo e nos tornar pessoas melhores.
Sei que um rivotril também ajuda, mas ainda confio mais nos livros. E já que comemoramos na última terça-feira o Dia Mundial do Livro e nossa Praça Saldanha Marinho já está em clima de Feira do Livro, nada melhor que um filme impregnado com a cura que as palavras são capazes de trazer.
Maya Angelou: E Ainda Resisto, documentário dirigido pela dupla Bob Hercules e Rita Coburn Whack, não inova no quesito linguagem. Aliás, segue as regrinhas básicas tão à risca que, se não fosse a sua sedutora personagem, testaria a paciência do espectador. Maya Angelou pode ser desconhecida por quem não costuma frequentar livrarias ou foge feito o diabo da cruz de discussões sobre raça e gênero.
Poeta, ativista e atriz, Maya faleceu em 2014, mas suas imagens no filme deixam claro que não estamos diante de alguém facilmente esquecível. Alta, com uma voz marcante e um talento natural para contar histórias, ela marcou a literatura americana com sua autobiografia Eu Sei Porque o Pássaro Canta Na Gaiola.
Mais que contar a própria trajetória, desde a infância errante até o sucesso, ela registrou a árdua existência da mulher negra americana. Isso porque quando ela escreve sobre si, está relatando algo comum à todas as mulheres negras, americanas ou não.
A capacidade de unir poesia com argumentos sólidos, que faziam desmoronar até o mais poderoso e confiante dos homens brancos que cruzavam seu caminho, fez de Maya uma escritora popular. Fez parcerias musicais, gravou um disco, era presença constante em programas de TV e não tinha medo do embate.
Expressava-se por meio da literatura, do teatro e da música sem apegar-se à nenhum em especial. Queria dizer ao mundo o que pensava, o que viveu, os incômodos e as pequenas conquistas. Teve seus livros proibidos, mas acumulou fãs que viram em seus versos muito mais que uma boa união de sílabas. Viram a si mesmos e perceberam que valia a pena resistir.
Devemos saber nossas bandeiras e nosso lugar de fala, mas mesmo não sendo negra e sabendo dos meus privilégios, é impossível não se emocionar com seus versos. No fundo, todas carregamos a mesma dor de sermos apagadas da história ou termos nossas conquistas diminuídas pelo simples fato de sermos mulheres.
Mulheres negras carregam isso e mais outros tantos fardos pesados. Mas Maya as levanta com a força da palavra, potencializada por seu timbre único, e quem está por perto também não consegue resistir. É o tipo de documentário onde até quando tentamos analisar cinematograficamente, levamos um cruzado de direita com seu conteúdo e dane-se a forma.
É como um livro mal editado e com capa feia, mas que não conseguimos parar de ler. São as palavras, esses rabiscos que tomam conta da alma da gente quando bem organizadas, ou que bagunçam nosso juízo quando parecem sensatas.
Maya Angelou: E Ainda Resisto é daqueles filmes que fazem a gente correr para a estante mais próxima e revisitar os escritos que nos marcaram. Talvez não para um novo mergulho, mas apenas uma pequena apreciação, aquele pezinho molhado na beira do mar. Filmes que formam leitores, leitores que levam seus livros para as telas. Não podemos deixar que isso acabe. Vamos marcar com todas as tintas, em todos os muros. Assim como a poesia de Maya, ainda resistimos.
“Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.
Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.
Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.”
(Maya Angelou)
(*) BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.
Os alienígenas estão entre nós.