O pato malvado
Por PYLLA KROTH (*)
Quando menino, freqüentava muito a casa de um amigo de infância não muito longe da minha. Havia um enorme pátio nos fundos, com direito a mato fechado e vários animais e aves silvestres. Ali era nosso lugar preferido para peraltices, nossa floresta particular. Galinhas, papagaios bem-te-vis e araras revoavam folhas, galhos, plantas e arvores.
O pai do meu amigo resolveu então que iria criar ali pelo pátio uma dezena de patos e gansos. Assim foi. Passados dias, os bichinhos foram crescendo e aumentando o trabalho na lida da criação. Aquilo já estava acabando com nossas brincadeiras na floresta.
Todo dia era aquela trabalheira com os patos e gansos. Estavam adultos e nada do velho botar os bichanos na panela. Pelo contrário, agora até nome tinha dado para os dito cujos! Lembro-me apenas do nome de um deles, por sinal muito agressivo que inclusive tínhamos que tomar cuidado, pois ele botava a gente a correr, chamava-se Jair, e porque eu não sei.
Certa vez, já cansados de tanto limpar aquele pátio e dar ração para os danados, tivemos uma idéia: “vamos roubar esses patos do velho e vamos convidar toda patota para ajudar na lida de “carnear” os bichos e depois vamos lá pra beira do Rio Jacuí como quem vai pescar e faremos uma festança regada a pato assado!”
Sabíamos que não seria tão fácil, estrangular e depenar todos, mas já tínhamos visto nossas mães na tarefa de matar e limpar galinhas do terreiro, e por certo com patos não seria muito diferente. Algum dos amigos já havia nos dito em um intervalo na escola que presenciara a mãe dele realizando tal tarefa e nos alertou: “o bom é botar uma cachaça goela abaixo dos bichanos, uma pra amolecer a carne, outra pra tontear e facilitar a lida!”
E assim foi. Na calada da noite de uma sexta feira, ficamos na campana, sem muito nos preocupar no que iria dar. Quando escureceu, fomos pegando os bichos dois a dois e colocando num saco. Acontece que, na atucanação, do furto à nossa própria propriedade, acabamos deixando o malvado Jair para trás, pois ele esperneou e nos mordeu. Achamos que não iria fazer diferença.
Fomos direto pro galpão dos fundos da casa de outro envolvido no caso dos patos e, vou lhes dizer, não foi tão fácil como imaginávamos! Os patos se revoltaram e foi uma batalha épica, que só vencemos munidos de pás e enxadas, embora eu particularmente não consegui matar nenhum.
Só me dei bem na parte de dar o trago pra eles. Foi uma garrafa de Três Fazendas inteirinha, e de vez em quando dava tempo pra dar uma beiçada na cana. Caldeirão de água quente pronto e chega a hora de tirar as penas. Minha nossa Senhora! Pena que não acabava mais! Para encurtar o relato, foram quatro horas de lida até que os bichos estavam carneadinhos em três bacias.
Foi nesse ponto que ouvimos voz de flagrante delito do velho Tepa, como se chamava o pai do nosso amigo, entrando no galpão com uma soiteira na mão: “Seus ladrões! Devolvam meus patos!” Tentamos justificar que também havíamos ajudado a criá-los e tínhamos direito a uma parte. Nisso ele foi até a caminhonete e soltou o Jair pra cima de nós. E, então, pernas pra que te quero! Foi aquela debandada geral e o Jair atrás em modo perseguição.
Resultado de toda essa façanha: ficamos bem uns dois dias fedendo a pena e ranço de pato, e chupando o dedo depois de tanto trabalho. O velho Tepa nos confiscou até as penas dos bichos!
Há alguns dias fui comprar uma jaqueta e achei caríssima, quando questionei o preço, a moça vendedora da loja argumentou: “é por que é forrada com penas de gansos!” Não consegui evitar a lembrança dos finados patos.
Hoje tenho a certeza de que não participaria daquela crueldade sanguinária. A não ser que fosse para eliminar o malvado Jair! Sem titubear esse iria pra panela, sem direito nem mesmo a um traguinho de cana!
(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A ilustração que você vê aqui é uma reprodução de internet.
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