ARTIGO. Luciano do Monte Ribas, a degradação da Amazônia, o “nacionalismo” e o tamanduá-bandeira
Abraço de tamanduá
Por LUCIANO DO MONTE RIBAS (*)
Meu avô paterno, Venâncio Pinto Ribas, contava histórias de um tempo onde animais, assombrações e revoluções dividiam o mesmo imaginário.
Havia mais de 70 anos de distância entre nós, mas eu gostava de ouvi-lo narrando coisas sobre aquele mundo. Afinal, uma época onde havia “leões baios” rondando casas certamente fascinava alguém que foi alfabetizado lendo Monteiro Lobato.
Em uma dessas histórias protagonizadas por ele, seu antagonista foi um tamanduá-bandeira. Depois de quase 40 anos, as circunstâncias exatas me fogem à memória, mas, em síntese, o animal o surpreendeu cruzando uma estrada. Lembro de ele contar do susto do cavalo, do vulto se erguendo na escuridão, dos braços abertos e, no ápice da narrativa, das garras do tamanduá e do risco que elas representariam caso ele conseguisse abraçá-lo. Para minha felicidade, como estou lhes escrevendo nesse agosto de 2019, é fácil deduzir que ele conseguiu escapar do bicho…
O vô Venâncio nos deixou em 1983, com quase 86 anos. No tempo de sua existência era normal usufruir da natureza sem nenhum tipo de preocupação com o futuro. Desmatar e caçar eram hábitos, muitas vezes um tipo de lazer familiar. Um tempo que parecia ter passado.
Porém, no Brasil atual – governado por ignorantes, fanáticos e mercenários – as coisas sempre podem parecer uma novidade do século passado. Por outro lado, nesses dias tão duros um abraço de tamanduá pode ser completamente ressignificado, passando a representar não uma potencial ameaça num lugar ermo, mas a impotência e o desespero da própria natureza.
Se alguém ficou indiferente à foto de um pequeno tamanduá-mirim de braços abertos, cego e queimado, em meio às ruínas calcinadas de seu mundo, o fez por ter perdido completamente a humanidade.
Que não se sensibilizem com dramas humanos é um absurdo, mas não me surpreende há tempos. Ninguém vota num potencial facínora se não carregar em si um pouco da mesma maldade. Mas com animais eu ainda achava que havia algum tipo de empatia. Ledo engano, me parece.
Para mim, com perdão do meu avô (e ignorando seus alertas), os braços abertos da pequena criatura me provocaram um misto de sentimentos, onde o mais forte era um instinto de proteção. Àquele abraço desesperado eu gostaria de poder responder com algum tipo de acolhimento, qualquer coisa que minimizasse o sofrimento de quem deveríamos proteger.
Imagens têm esse poder para quem se permite recebê-lo devido aos seus “significados encarnados”. E essa se tornou um símbolo muito forte de que o meio ambiente, para a nossa própria sobrevivência, precisa ser abraçado, sobretudo lutando contra os imbecis que hoje têm o poder de evitar a fiscalização e de incentivar a devastação com sua retórica criminosa.
A soberania da Amazônia exige preservação e capacidade de fazer com que o mundo desenvolvido ajude a “pagar a conta”, para benefício dos povos da floresta e do país como um todo. Até porque o exercício da soberania não nos autoriza a fazer o que quisermos. Muito pelo contrário, nos enche de responsabilidades.
Não dá para cair na retórica vazia do bolsonarismo, cujo nacionalismo é tão verdadeiro quanto uma cédula de R$ 3,00. Se a situação chegou a esse ponto há, objetivamente, responsabilidade do ministro do Meio Ambiente, membro do partido Novo, e do próprio presidente. Por omissão ou por discursos incentivando, mesmo que veladamente, o desrespeito à natureza, deveriam ser enquadrados por crimes contra a humanidade – substantivo que tanto lhes falta e que deve ser o nosso escudo nessa luta incessante contra o mal absoluto.
(*) LUCIANO DO MONTE RIBAS é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema e já exerceu diversas funções, tanto na iniciativa privada quanto na gestão pública. Para segui-lo nas redes sociais: facebook.com/domonteribas – instagram.com/monteribas
OBSERVAÇÕES DO AUTOR: Foto – emas no pampa gaúcho cortado por cercas (Bagé, RS)
Aqui um pouco de “remédio para a ignorância” sobre o desmatamento:
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