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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo, empatia que não existe e o vazio existencial, o “inferno de Dante”

A falta de empatia entre as pessoas é o mal do nosso tempo

Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

O espaço público está preenchido por um debate estéril, a beira de ser histérico. A opinião de qualquer pessoa sobre determinado assunto tem menos valor do que a de alguém que pretende fazer o contraditório, mostrar outro ponto de vista. As relações interpessoais cada vez mais são pautadas pelas diferenças e pelo que nos separa, quase nunca pelo que pode nos unir. O dissenso é a regra, o consenso é a exceção.

Há pouco tempo, em uma conversa com amigos, um dos interlocutores trouxe à discussão o porquê de a sociedade estar próxima de uma convulsão social. Estamos quase pegando em armas. Aliás, no atual momento, estamos só no aguardo da liberação do porte.

A resposta veio com a convicção de que há falta de empatia com o outro. O argumento serve de fundo a constatar o fator que alimenta o mal de nosso tempo. O indivíduo na sua bolha, refém do seu algoritmo, constrói um mundo só seu – ideal no seu imaginário e belicoso no trato com o diferente. E compartilha seu ódio.

O não se colocar no lugar do outro, ou seja, a falta de empatia, nos leva a um vazio existencial. Ao inferno de Dante. Não importa se no twitter ou facebook o “cidadão de bem” tenha como foto de fundo uma imagem da Virgem Maria e seja um fervoroso devoto da fé divina. Se orar muito, talvez encontre o purgatório. Mas o paraíso será bem mais difícil. Deus é misericordioso, mas também é vigilante.

Este tipo de comportamento não é uma condição nova, exclusiva da nossa geração. A historiografia a nossa disposição é repleta de exemplos de intolerância entre povos ou entre pessoas, de forma particular.

Neste contexto a empatia perde espaço ao Ser individual. A cor da minha pele tem mais valor do que a do outro, a minha religião está mais próxima de Deus e a minha orientação sexual é o que me caracteriza ser uma pessoa normal. É o que nos contam os registros históricos.

Mas o problema está no fato de que, ao avançarmos no tempo, regredimos enquanto seres humanos. E deveria ser o contrário. A história do mundo deveria servir de referencial para que o ódio ao próximo ficasse guardado na Caixa de Pandora particular de cada um. Mas quem se preocupa com a história?

Eu acredito que a falta de empatia entre os indivíduos é algo que pode ser visto como um ato do não pensar – na verdade, como as declarações de ódio são práticas contumazes no mundo online, a assertiva ganha ainda mais sentido. O não pensar supõe não refletir e, por consequência, não questionar a base moral das nossas ações.

Um exemplo deste tipo de ação amoral foi o ocorrido com Arlene Greenwald, mãe do jornalista do The Intercept, Glenn Greenwald. A mulher, uma senhora com câncer em estado terminal, teve questionada a sua real condição de saúde.

Um blogueiro brasileiro –  parece ser jornalista – afirmou, por meio do seu twitter, que: “Gleen mentiu sobre o estado de saúde da mãe para conseguir vistos de emergência” (a mãe de Gleen mora nos EUA). Foi o que bastou para que Gleen, e sua mãe, fossem atacados nas redes sociais. Um terreno tóxico e que permite a insanidade coletiva.

Esse ato é a mais pura banalidade do mal. Mas dessa vez, diferente da ideia original da filósofa Hannah Arendt, pois a ação é uma opção do indivíduo e não ocorre dentro do contexto de um regime totalitário. Ao contrário, porque vivemos uma plena liberdade de expressão. Porém, não há responsabilidade argumentativa. E isso é grave, porque não encontra/aceita limites.

Esta forma de agir, sem empatia à dor do próximo, e de forma deliberada, é o que diferencia o indivíduo monstruoso do indivíduo que consegue ter capacidade crítica dentro de uma lógica moral de respeito a quem pensa diferente.

Usar o expediente de envolver uma pessoa enferma a fim de atingir outro, é a mais cristalina banalidade do mal. É a enfermidade do nosso tempo.

*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestrando em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A imagem é uma reprodução da obra do pintor William-Adolphe Bouguereau ,  que retrata Dante e Virgílio no Inferno.

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2 Comentários

  1. Sociedade não está a beira de uma convulsão social. Tampouco está pegando em armas. Problema talvez seja a bolha citada.
    Bem e mal são conceitos judaico-cristãos que vêm de longe.
    Os que vivem ‘brigando’ nas redes sociais são minoria. Alguns por diversão, outros por problemas psicológicos e até por dinheiro. Logo não é só ‘ódio’. Não compreender isto não seria falta de ‘empatia’?
    Individualismo como falta de empatia. Desqualificação pura. Mesmo nos EUA Tocqueville já falava no ‘senso de comunidade’ ainda no século XIX. Ou seja, não são coisas incompatíveis.
    ´Ódio’ na internet é coisa de religiosos, pessoal da esquerda não ‘odeia’ ninguém.
    Pensar diferente é ‘não pensar’.
    Apelo à autoridade, Arendt.
    Conclusão é óbvia, por que perdi meu tempo lendo e comentando este texto? Burro eu.

  2. Primeiro o aspecto ideológico. Não é respeitável a opinião de qualquer pessoa sobre qualquer assunto porque mimimi.
    Como escreveu Umberto Eco existem quatro tipos de pessoas no mundo: os cretinos, os tolos, os idiotas e os lunáticos. Uma pessoa normal é uma mistura destes quatro tipos, assume um destes papéis de vez em quando. Deixando de lado o italiano, problema é que algumas pessoas têm um modelo idealizado de ser humano, como deveria ser, tudo o que não se enquadra neste modelo está ‘errado’.
    Mais, existem pessoas dispostas a ‘consertar’ o mundo (no Brasil, para nosso azar, só falando e cometendo textos) e acham, devido a uma superioridade moral auto-atribuída, que os outros têm a obrigação a concordar com elas.

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