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Caminhos paralelos: universidade, sociedade e mundo empresarial – por Amarildo Luiz Trevisan

“Crítica da reitora Irani é, mais que gesto corajoso, chamado à reflexão coletiva”

Na sessão da Câmara de Vereadores de Santa Maria, realizada no dia 29 de abril de 2025, por ocasião da homenagem aos 70 anos da Universidade Franciscana (UFN), a reitora Ir. Iraní Rupolo fez um discurso que rompeu expectativas. Conhecida por sua discrição, surpreendeu ao trazer à tona questões estruturais e políticas que atravessam a cidade.

Mencionou, com firmeza, a precariedade das condições de acesso à Santa Maria – especialmente as estradas e a ausência de um aeroporto funcional – e apontou, de forma direta, a falta de articulação entre lideranças políticas e as universidades. Segundo a reitora, as instituições seguem caminhos paralelos, que não se encontram.

Não se encontram mesmo?

Sim. A universidade investe em formação, pesquisa e extensão. A política local segue seu próprio itinerário. E o mundo político e empresarial, por sua vez, prioriza suas lógicas de mercado. Como construir soluções coletivas se os atores sociais evitam se cruzar? Como produzir inovação, desenvolver políticas públicas duradouras se os saberes acadêmicos não encontram ressonância nas decisões práticas? E, sobretudo, como avançar se o diálogo entre os que decidem e os que produzem conhecimento é apenas eventual – ou quase inexistente?

Esse episódio me trouxe à memória uma conferência a que assisti em 1998, na UFSM, durante o meu doutorado em Educação, com o grande Moacir Gadotti, professor e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Recém chegado de um período de intercâmbio nos Estados Unidos, ele comentava, à época, o contraste com o Brasil no que diz respeito à integração entre universidade e setor produtivo.

Nos EUA, a universidade é o centro irradiador do desenvolvimento industrial e tecnológico. Aqui no Brasil, dizia o professor, continuamos a praticar o velho hábito da separação: a teoria de um lado, a prática de outro. Ou seja, as universidades num extremo da cidade; os distritos industriais, no lado oposto. Um urbanismo caótico que traduz uma cisão cultural.

António Nóvoa, professor português e doutor honoris causa pela UFSM, já alertava: temos discursos ricos demais e práticas limitadas e empobrecidas. E talvez seja hora de perguntar: para que servem nossos saberes, se não se abrem ao mundo? O que estamos perdendo, como cidade e como sociedade, ao manter essa distância estratégica entre pensamento e ação? Quem ganha com essa desconexão?

Mais de duas décadas depois daquela fala do professor Gadotti, ainda estamos debatendo os mesmos impasses. A crítica da reitora da UFN é, portanto, mais do que um gesto corajoso: é um chamado à reflexão coletiva. Será que queremos mesmo enfrentar o desafio de pensar e agir em conjunto? Ou estamos confortáveis na lógica da fragmentação, onde cada um segue puxando a sua parte da carroça?

Sim, todos puxamos a mesma carroça – a do chamado “progresso” – só que não na mesma direção.

Mas quem sabe, depois da fala da Irmã, alguém perceba que caminhos paralelos não levam à mesma chegada. Talvez seja hora de desenhar uma rótula ou entroncamento – ou ao menos, marcar uma reunião e de preferência com um cafezinho e voo direto.

(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).

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12 Comentários

  1. Resumo da opera II. Pesquisa basica não tem utilidade evidente. Só para o pesquisador que recebe de qualquer maneira. É investimento de alto risco. Chance de dar em nada é grande. Brasil, pais pobre, tem que investir em pesquisa basica? Exceção tupiniquim. IMPA. Instituto de Matematica Pura e Aplicada. Rende muito e o investimento é praticamente quadro verde e giz além dos salários. Alas, o instituto é uma oscip.

  2. Resumo da opera. Sistema paulista de universidades produz 80% das pesquisas do pais. Defesa dos vermelhos. ‘Pesquisa publica’. Se tem alguma utilidade é outra coisa. Sistema universitario necessita de uma reforma. Se não fizer vai vir de fora. Se não acontecer a decadencia resolve o problema. Alas, a ultima opção é a mais provavel, não dá dor de cabeça para os politicos.

  3. Aldeia? Paço municipal não tem dinheiro. Empresas locais, pelo que fazem, não precisam de nenhuma pesquisa. Tudo muito básico.

  4. Vide vacinas. Brasil ficou na dependencia do exterior. Depois, como para quase qualquer problema, ‘Brasil vai desenvolver uma vacina propria’. Que as vezes é feito com tecnologia comprada. O caça da FAB teve como requisito principal, o tal Gripen, a tranferencia de tecnologia. Submarinos? França.

  5. Brasil não é um pais rico como dizem os politicos para se locupletar. Não necessita de tantos doutorados em direito, contabilidade, sociologia, letras, etc. Alem disto existe a tal ‘liberdade de catedra’. Que se traduziu numa falta de politica de pesquisa, cada qual pesquisa o que quiser e não existe um rumo comum.

  6. ‘Nos EUA, a universidade é o centro irradiador do desenvolvimento industrial e tecnológico.’ Tecnologicamente estão uns 80 anos na frente. O Vale do Silicio começou na decada de 50. Por que ‘silicio’? Por que um co-inventor do transistor se mudou para lá. Transistor inventado nos Laboratorios Bell da AT&T. Laboratorios que têm 10 premios Nobel.

  7. Na area da pesquisa o mote é ‘publique ou pereça’. Importado da Ianquelandia. Aqui a relevancia impele a publicar (e as bolsas também, mais dimdim), mais uma questão de ego ou curiosidade do que outra coisa. Acabam imaginando problemas que pouco tem a ver com a realidade. Sensor para monitorar a quantia de lixo no container. Governo inventa um escritorio de projeto de ‘chips’. Que devem ser produzidos na Alemanha. Como o projeto condiz com a decada de 80 do seculo passado obviamente existem coisas melhores e mais baratas. O que fazer com os ‘chips’? ‘Vamos colocar nas luminarias de iluminação publica’. Nem se menciona a fabrica de chip de POA que é altamente ultrapassada.

  8. No que se chega ao aspecto estrutural das universidades. Carreira docente é estruturada de forma que as pessoas tem que fazer tudo. Pesquisar, lecionar e, se der tempo, exensão. Diminui o custo. ‘O pesquisador vai saber mais logo vai dar uma aula melhor’. Preferencialmente dedicação exclusiva. Na pratica pesquisadores dão aulas forçados muitas vezes. Nitidamente prefeririam não dar aula na graduação. Muitos não sabem ‘passar’ o conhecimento. Muitos são contratados já com doutorado e só lecionam. Muitos não têm experiencia pratica, contato com a realidade exterior, nenhuma. Saem da graduação, entram no mestrado (até como um tipo de seguro desemprego), acabam emendando um doutorado e pós-doutorados (até conseguir passar num concurso).

  9. Aqui mesmo na aldeia um professor da civil fez doutorado testando cimento tendo palha de arroz na composição, a cinza. Sem entrar no mérito ou na repercussão, muitos doutorados envolvem misturas com outros rejeitos. A maioria dá em nada.

  10. Trump andou cortando recursos federais de universidades americanas. Vermelhos já sairam com propaganda, ‘cortou verbas da pesquisa do cancer’. Que obviamente não acontece nas ciencias humanas. Problema é que grande parte da tal pesquisa não passa de testes clinicos de medicamentos desenvolvidos por grandes farmaceuticas. Alas, em odontologia muitos doutorados são auferidos por testes clinicos de materiais dentarios.

  11. Universidades no mundo vivem uma crise. Mais de 90% das pesquisas são ‘para ingles ver’. Selecionar gente para trabalhar no que realmente tem futuro. Pesquisa de inteligencia artificial, por exemplo, é majoritariamente feita em empresas.

  12. Acesso a Santa Maria, embora deva ser melhorado, é um mito. Pelotas. PIB da cidade é, numeros de 2021, 12 a 13% maior do que SM. BR116 esta sendo duplicada. Ferrovia passa por lá. Existe um aeroporto internacional. O porto de Rio Grande é praticamente do lado. Cidade tem a Universidade Catolica e uma Federal. O mito é que resolvendo o problema de acesso ‘seus problemas terminaram’.

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