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CRÔNICA. Orlando Fonseca e alguns mitos políticos eleitos no Brasil, de Fernando Collor a Jair Bolsonaro

Mitologias tropicais

Por ORLANDO FONSECA (*)

Nos últimos meses, tenho recebido mensagens de pessoas ou grupos de redes sociais, protestando contra todo tipo de desmandos que têm ocorrido no país. O foco deste movimento é, em especial, Brasília, desde que a “nova ordem” tomou conta da política nacional.

Como tenho observado o perfil dos que se indignam – uns arrependidos, outros desiludidos – é como se o Brasil tivesse, de uma hora para outra, se embrutecido. Como diz um amigo, se alguém está desiludido é porque, em algum momento, esteve iludido. Poucas coisas no planeta têm geração espontânea: algum início de queimadas talvez – mas não o que temos visto na Amazônia nos últimos dias – no plano natural.

No plano das ações humanas, tudo tem uma motivação. Por isso, diante da grita geral, eu me pergunto: onde estava esta gente no ano passado quando se alertava – eu e muitas outras pessoas pasmas – para o que poderia acontecer com a eleição de uma figura com o perfil do candidato que ao fim e ao cabo – ou capitão – foi o vencedor?

Aquilo que se levantava, a partir das palavras de ordem, das manifestações de apoio, durante a campanha eleitoral, e se entranhava na cultura brasileira, não era uma pessoa, mas uma ideia (que agora percebemos como uma péssima ideia).

Não era apenas o delírio de um “salvador da pátria”, mas uma alucinação coletiva, com repercussões em milhares de correligionários, surgindo em hordas pelas ruas, usurpando dos símbolos nacionais as suas cores. Era um programa rascunhado às pressas na bancada evangélica, no Parlamento, como se estivessem falando em nome de Deus, assim no mais. Como se o Todo Poderoso tivesse assinado uma procuração para constituir um preposto em terras brasilis, a fim de conduzir o povo à Terra Prometida.

Este o maior perigo, para um país em transe: seguir um emblema, uma síntese do pensamento raso, terraplanista. O triunfo do senso comum. Terra plana em transe, nem Glauber, mesmo que tivesse várias ideias e várias câmeras, conseguiria conceber.

Esta é a melancolia de quem antevê o que a massa prefere ignorar, quando em um mesmerismo cívico, patriótico, opta por seguir o líder enganador. Foi assim com Collor.

Dois anos antes de seu impeachment, antes de a garotada sair às ruas com o verde amarelo pintando o rosto, eu me juntava àqueles que tinham certeza de que o Caçador de Marajá era uma fraude: não tinha um programa de governo para tirar o país da miséria; de dar camisa aos descamisados (essa gente que é capaz de se vender por uma camiseta e um pedaço de pão, porque não tem mais nada a perder), em nome dos quais o candidato fazia as maiores promessas de redenção; que estava cercado de toda sorte de oportunistas que sempre assaltaram a República.

Da mesma forma que agora, o discurso collorido estava impregnado de profecias contra o perigo comunista, esta mitologia que ainda vai afundar o Brasil, apenas com as ameaças e com as falsas providências que levariam o país aos píncaros da glória capitalista. Não é à toa que, mais uma vez, atenta-se contra a educação superior, contra a ciência, pois é mais fácil manobrar a massa ignara.

Desde a redemocratização, a República vem se recuperando de um período de obscurantismo, de um estado de exceção, de perseguição política, de atraso cultural, em uma longa convalescença. No entanto, parece que as recidivas são recorrentes e põem para baixo o pouco que se avança.

Não existe, hoje, um programa de recuperação econômica: as promessas com as Reformas são apenas isso, promessas, pois o desemprego aumenta, o PIB não cresce, só aumenta a dependência estrangeira; há um ataque deliberado aos serviços públicos para justificar privatizações a rodo; há um crescente sentimento conservador, moralista (falso), a fim de justificar o cerceamento das liberdades individuais.

E a plateia ainda aplaude, ainda pede bis – cantaria Gonzaguinha -, a plateia só precisa ser feliz. Enquanto isso o coro dos descontentes aumenta, mas ainda sufocado pelos gritos de “Mito, Mito, Mito”.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: A foto que ilustra esta crônica (do movimento dos caras pintadas contra Fernando Collor) é de Sérgio Lima, do arquivo da Agência Brasil e pode ser encontrada, originalmente, AQUI, na versão online do jornal El País.

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