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CRÔNICA. Orlando Fonseca, patriotismo e a política: Existe “uma ligação estreita, mas são coisas distintas”

A Semana e a Pátria

Por ORLANDO FONSECA (*)

Nesta semana, conhecida no calendário cívico como “da Pátria”, cabe indagar, como já fiz aqui mesmo neste espaço, há um ano, em plena campanha eleitoral: de que Pátria estamos falando?

Há uma só Pátria neste imenso território, ocupando mais da metade do mapa sul-americano? Pátria a que o poeta parnasiano, Osório Duque Estrada, chamou de Florão da América, ao compor a letra para o Hino Nacional? Somos um povo, falamos uma mesma língua, defendemos uma mesma cultura?

Afinal, como já se perguntaram muitos e muitos brasileiros ilustres, perplexos, em distintos momentos graves da República: Que país é este?

Havia uma Pátria em nome da qual falavam os candidatos à presidência, no ano passado? Certamente, havia uma Pátria a que apontavam os candidatos quando falavam sobre o futuro da Nação. Pode-se dizer que a “Pátria acima de tudo” – slogan da campanha do candidato vencedor – é a mesma que recebe o tratamento (mundialmente criticado) do atual ocupante do Palácio do Planalto?

Considerando que ele foi democraticamente eleito por uma maioria de votos, de que naquele momento mereceu uma confiança que vê ruir, nestes oito meses de governo, de que Pátria estamos falando, quando discutimos sobre o que se faz como medidas de sua gestão?

A Pátria é dos endinheirados ou dos trabalhadores; pode ser dividida com limites territoriais que segreguem esses e outros grupos? Creio, firmemente, que Pátria é justamente a ausência de divisórias excludentes.

Quando D. Pedro I ergueu o famoso grito de Independência – fato que justifica a efémeride desta semana – em 1822, o país não tinha uma identidade, não podia falar de uma cultura própria, apesar da pujança daquele cenário natural, semisselvagem das extensões americanas.

Parte expressiva do seu povo, tão responsável pelo seu caráter nacional quanto os demais, os africanos, ainda eram escravos, e assim permaneceriam até quase o final do século XIX.

Aliás, é nesse período que ocorre uma significativa mudança no quesito “pátria”, deixando de ser um império, comandado pela aristocracia, para ser república para ser comandada por… por quem mesmo?

É preciso conhecer, para que se possa pensar em como o povo poderia entender-se em termos de pertencimento. Evidentemente que a elite, com resquícios de nobreza ou não, é que assumiu o controle desde então, incluindo aí os valores simbólicos.

Para que o lema “a Pátria acima de tudo” não seja apenas uma estratégia publicitária de quem disputava o poder, emulando em sua propaganda uma impressão de totalidade, de programa virtual de inclusão, um lugar ideal, capciosamente apresentado como marketing político, é preciso um longo caminho de vida democrática.

É preciso estimular o diálogo, e não a polêmica e o ódio, para manter esta república justa e igualitária, o que implica a participação de todos na sua construção. Muitos que reclamam de pagar imposto querem se beneficiar ao máximo das verbas públicas. Há quem apregoe inclusive o não pagamento.

Há uma ligação estreita entre a política e o patriotismo, mas são coisas distintas. Pode-se não ter afinidade com o administrador público, mas o país continua sendo a totalidade de seu povo.

Nas últimas décadas, o individualismo tomou conta das nossas atitudes. Há uma pátria no imaginário de cada um, com certeza. No entanto perdura, naquela ânsia de Independência expressa por D. Pedro I, penhorada na Morte se preciso, a possibilidade de ser livre.

Cultivar os símbolos é salutar, só não pode ocupar o espaço da efetividade da ação, tanto por parte do poder público, quanto da coletividade. Esse lugar, Brasil, ou Rio Grande do Sul, ou Santa Maria passa a ser de todos quando as condições sociais não são excludentes, e para isso é preciso consciência cívica para um exercício democrático do poder.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: A foto que ilustra esta crônica é do Pixabay (sem autoria explicitada, mas de livre publicação) e pode ser encontrada, originalmente, AQUI.

 

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