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É CINEMA. Bianca Zasso e as razões possíveis para Santa Maria não ter a chance de ver o filme “Bacurau”

Bacurau canta na boca do monte

Por BIANCA ZASSO (*)

Santa Maria ficou quase um ano sem salas de cinema. Naquela época, fomos salvos pelos cineclubes que, mesmo com pouca ou nenhuma verba, conseguiam fazer a cinefilia acontecer na cidade.

Hoje, contamos com duas empresas e oito salas com qualidade de som e imagem. Mas por que será que é preciso um abaixo-assinado para que um filme que fala a nossa língua chegue até nós? Simples: ninguém quer se meter em encrenca.

Vamos explicar: recentemente a página Cinemas de Santa Maria, comandada pelo jornalista Willian Correia, organizou um abaixo-assinado pedindo a exibição de Bacurau, longa-metragem dirigido pelos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, premiado no Festival de Cannes e que já fez mais de 300 mil espectadores desde sua estreia, dia 29 de agosto.

Ora, não apenas por ser um filme comentado além das fronteiras do cinema (já foi citado por políticos e psicanalistas em textos, para o bem e para o mal), há um interesse no público santa-mariense em assistir a obra.

Teríamos sessões lotadas, não há dúvida. Mas por que Bacurau não vem para a Boca do Monte? Porque nossos tempos transformaram a simples escolha do que assistir em motivo para discussões absurdas.

Após esse parágrafo, já me preparo para comentários longos e repletos de referências esdrúxulas afirmando que cinema não deve se misturar com política. Antes de tudo, somos seres políticos, punto e basta!

Depois, vale lembrar que, apesar de seu roteiro ter sido escrito há um bom tempo, Bacurau conversa com a atual situação política do Brasil. Suas metáforas, piadas e as motivações de seus personagens dizem muito sobre o que sentimos ultimamente, não importa se somos orgulhosos do homem eleito presidente ou preocupados com o futuro do país.

Bacurau é uma distopia inteligente sobre os nossos dias e só isso já seria motivo para ele se fazer presente numa cidade que gosta de ser chamada de cultura, mas que muitos só sabem lotar teatros quando quem está no palco também está na novela.

Bacurau tem ares de filme de cangaço, um elenco afiado, com destaque para Silvero Pereira e Thomas Aquino. É um filme sem protagonista, porque é protagonizado pelo povo da cidade fictícia que dá nome ao longa e também ao pássaro típico do sertão nordestino.

É um filme nordestino, povo do qual tenho orgulho de trazer um pouco do sangue em minhas veias, já que meu avô é pernambucano. Aliás, nos últimos tempos, o Nordeste é meu país favorito, tamanha é a vergonha que o Rio Grande do Sul tem me feito passar por outros pagos. Mas seguimos, “não podemos se entregar pros homens de jeito nenhum”.

Eu adoraria poder lançar uma crítica “de verdade” sobre Bacurau aqui nesta coluna, iluminada pela chegada do filme nas salas de exibição da cidade. Mas como não se pode ter tudo, espero ter deixado um gostinho de quero mais nos leitores deste texto. Principalmente naqueles que afirmam não gostar de cinema brasileiro, como se isso fosse uma coisa cabível de se dizer.

Se você não gosta da arte do seu país, você não gosta de quem você realmente é. Arte é para encantar os olhos, mas também para perturbar a alma. Espero, sinceramente, que o sangue, a violência e a inteligência cinematográfica de Bacurau se façam presentes nos nossos cinemas. E que mais mentes sejam abertas pela verdadeira magia do cinema: aquela que nos deixa inquietos. Com nós mesmos e com o mundo.

(*) BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009.  Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.

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2 Comentários

  1. Não gostar da arte do país é problema de autoestima. Nordeste, conhecido valhacouto petista, é o meu ‘país’ favorito. Militância enrustida. Qual é o busílis? Conceito de ‘arte’ utilizado é controverso. Hoje em dia é bom definir os conceitos operacionais, alemães gostam disto, para saber o que está em debate antes do começo do entrevero.
    Bueno, e o filme? Esperei anos para assistir ‘Os Senhores da Guerra’ no canal Prime Box Brasil. Por que não vai acontecer o mesmo com ‘Bacurau’? Atenção! Spoilers! Pela sinopse é uma mistura de ‘Cowboys & Aliens’ do diretor Jon Favreau com ‘Hard Target’ estrelado com Jean-Claude Van Damme.
    Critica a situação atual, critica ao presidente, tudo isto tem para dar e vender para todos os gostos em todos os outros canais. Não é necessário gastar um filme para isto. Ou, pelo menos, fazer algo mais inteligente, algo além do óbvio.

  2. Tribo dos cinéfilos é, obviamente, minoria. Por isto o abaixo assinado. Não vai vir para a cidade porque aparecerão meia dúzia de gatos pingados em uma ou duas sessões, muitos jornalistas que não pagam entrada, ou seja, prejuízo para a sala. Qualquer enlatado estrangeiro é assistido por mais gente.
    Ganhou o premio do júri em Cannes. Alás, dividiu o premio com um filme francês. Premio principal, Palma de Ouro, Não é o Oscar que até pouco tempo atrás atraia bilheteria. Resumo: é um filme ‘cabeça’. Dos últimos ganhares da Palma de Ouro o que mais chamou atenção foi ‘O azul é a cor mais quente’. Pessoal dos salões gostou, montes de retardados correram para pintar azul nas melenas. Orçamento de 4 milhões de dólares, bilheteria mundial de 20 milhões (pouco menos) mundialmente.
    Politica existe até em filme de super-herói.
    Pessoal não vai no teatro, majoritariamente, pela peça (é só pedir uma explicação depois, não perguntar ‘se gostou ou não gostou’ e escutar o elogio óbvio). Se é alguém que está na novela existe a tietagem. E a coluna social. Vale o mesmo para desfile de escola de samba no carnaval da cidade. Gente preocupada em mostrar que ‘é do povo’.

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