A radicalidade do diálogo
Por LUCIANO DO MONTE RIBAS (*)
Em tempos de intolerância e violência, nada pode ser mais radical do que o diálogo. Ou mais difícil.
Parte dessa dificuldade é, evidentemente, externa. Se diálogo pressupõe troca de ideias, infelizmente não há espaço para o debate com quem deseja o nosso extermínio (muitas vezes físico, mas sempre moral e social): não se devolve uma ideia em troca de um murro recebido quando a perspectiva é que a tréplica seja levar um coice. Como ouvi de um cristão de esquerda certa vez, “ninguém nunca disse o que Jesus fez depois de levar o segundo tapa”.
Porém, esses dementes são uma minoria. Barulhenta, agressiva e capaz de influenciar um bom número de pessoas apegadas a um anacrônico mundo de privilégios, mas, ainda assim, minoria.
Pensemos, então, na maioria da sociedade que, quando confrontada com argumentos racionais e emocionais, pode se dar conta como é errado (e criminoso) atacar as universidades públicas, por exemplo. Ou do quanto é odioso um feminicídio. Ou, ainda, como é vil julgar alguém por sua cor. É com essas pessoas que precisamos nos preocupar e DIALOGAR.
Mudando um pouco o rumo para avançar na minha argumentação, há tempos me afirmo como um homem feminista e tento orientar minha vida nessa perspectiva.
Isso não vem apenas de uma autocrítica (que todas as pessoas deveriam fazer, aliás), mas é resultado da convivência com uma geração de feministas que, mantendo sempre a disposição para a luta, jamais deixou de se dedicar ao estudo e à elaboração teórica. São mulheres que avançaram para além da superficialidade e, com isso, ampararam seus discursos, suas ações e suas vidas em um feminismo consciente, militante e dialógico.
Estudo, consciência, militância e diálogo – atitudes que, penso eu, deveriam ser disseminadas entre os todos os movimentos sociais, mas sobretudo entre os movimentos identitários e ambientais, que têm sido a vanguarda da reação à onda autoritária.
Indo adiante, busquei o exemplo dessa geração de feministas para afirmar que, caso não tivesse convivido com sua capacidade de diálogo, o menino que fui talvez crescesse sem nunca questionar o machismo e as atitudes que teria frente a ele. O que me traz à reflexão que como pai de meninas e de meninos modestamente desejo propor.
Há uma geração de homens jovens contaminada por uma visão estereotipada do femininismo e que, caso isso seja mantido, estará condenada a reforçar, por ação ou por omissão, um machismo reativo e perigoso. Acho, porém, que a maioria deles poderia ser – como eu fui quando ainda era criança – influenciada pela consistência dos argumentos.
Por mais justa que seja a causa, se eles forem simplesmente hostilizados estarão “perdidos” e reproduzirão comportamentos e valores que o meio social lhes oferece, com alguns talvez até chegando ao extremo de dizer “não te estupro porque você é feia” em algum momento da vida. O que me leva a achar que cabe a quem se abriga sob esse vasto guarda-chuva de pensamentos chamado humanismo ser mais inteligente do que o preconceito, mesmo quando for necessário agir com firmeza.
Obviamente, não cabe a mim dizer a nenhum movimento como ele deve agir. Não estou no meu lugar de fala e eu jamais teria essa pretensão. Ao mesmo tempo, além de entender os porquês das reações mais fortes por parte de pessoas que sofreram discriminação, em hipótese alguma quero achar “culpas” em quem não as têm.
Mas me incomoda assistir as dificuldades para o diálogo, bem como a ação descolada da reflexão, afastando pessoas que poderiam estar ao nosso lado. Se posso contribuir com alguma coisa nesse debate é pedindo um pouco de atenção para isso a quem tem legitimidade para discutir e agir.
(*) Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema e já exerceu diversas funções, tanto na iniciativa privada quanto na gestão pública.
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OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A foto que ilustra este artigo é de reprodução.
Kuakuakuakuakuakua! Diálogo para o vermelhinho é discutir a ideologia do próprio e como os outros estão errados.
Jesus não fez nada depois de levar o segundo tapa porque não levou o primeiro. Alusão a segunda face foi num sermão, é uma construção teórica. Logo cristão ‘de esquerda’ tem o problema cognitivo de todos que levam o epíteto ‘de esquerda’.