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CRÔNICA. Orlando Fonseca e as falas presidenciais. Não existem mal-entendidos. E só verificar o histórico

Bem entendidos

Por ORLANDO FONSECA (*)

O maior prejuízo de uma sociedade que não tem familiaridade com a leitura é a dificuldade de interpretação. A leitura extensiva de um livro – desde o primeiro capítulo até o último – ou de um artigo de revista – da introdução à conclusão – é uma prática que permite a articulação de várias ideias, de associações que sustentam argumentações, até mesmo o confronto de pontos de vista divergentes.

O mesmo se dá com a dificuldade de diálogo, em que alguém só quer falar, mas não aprende a ouvir, ou não diz nada, deixando de praticar o contraponto. No Brasil, a leitura não é um fenômeno universal, estamos muito longe disso, pois mais da metade da população não compra livros, ou não consegue decifrar um simples texto de jornal.

Agora, querer dizer de modo recorrente que a fala do presidente da República – democraticamente eleito – e de seus filhos é mal interpretada tanto por jornalistas, quanto por especialistas políticos, aí já é tentar forçar a barra. Se é que me entendem.

A questão é de tal modo um recurso repetitivo, que chega a parecer estratégia. Já é bastante perceptível que o presidente tem dificuldade de se expressar. Ele tem a língua afiada, mas só diante de desafetos políticos ou jornalistas, aos quais ameaça encerrar a conversa ou a entrevista se houver insistência em pontos que lhe são desfavoráveis. No sentido de que precisaria formular uma argumentação com mais cuidado.

E isso já era visível, portanto, não é nenhuma surpresa, desde o debate eleitoral há coisa de um ano – vejam só, o tempo voa, e a conjuntura não dá os sinais daquelas promessas feitas em campanha (mas isso já é outro assunto). Aliás, segundo os que gostam de teorias da conspiração, afiada era aquela faca do Adélio Bispo, em uma novela que ainda não teve desfecho.

Toda vez que vêm a público, ou através das redes sociais dizer coisas como “tem que fechar o Congresso”, “tem que editar um novo AI-5”, diante da repercussão – negativa, é óbvio – sempre se saem com as desculpas de que foram mal-entendidos, que suas palavras foram distorcidas.

E não fica restrita ao Carluxo, ao 02, 03 e seu pai, mas alguns dos membros do seu staff presidencial também estão assumindo a mesma impostura, veja-se o secretário da pesca, ou o Ministro da (des)Educação.

O que está ficando muito claro para muitos observadores da administração federal – e agregados – é que existe uma tendência da Família de instituir um regime autoritário. As diversas manifestações e seus recuos seriam, segundo um Ministro do Supremo, uma forma de avaliar a recepção de tal proposta nas redes sociais.

Como as pesquisas de opinião sobre o governo não são as melhores – aliás, as piores para um início de governo entre todos os presidentes desde o período da redemocratização – não é tão fácil construir um ditador como o foi eleger um candidato. Sim, porque as manifestações durante a companha foram nítidas, com elogios ao regime militar, a celebração de figuras ligadas à repressão, à censura, à militarização de escolas e universidades.

Se por um lado os seus correligionários e simpatizantes fazem uma dura crítica ao regime na Venezuela, chamando Maduro de ditador, por outro, deixam passar as claras e manifestas intenções de que o Brasil seja comandado por um. Após os disparates do Eduardo Bolsonaro, sobre o novo AI-5, o José Simão da Folha de SP escreveu que a Venezuela tem um ditador Maduro e o Brasil pode ter um Imaturo.

Contudo, a tragédia é muito grande para que a piada nos faça rir por muito tempo. O que a presidência precisa ver é que nem precisa – ele e sua equipe – dizer muita coisa, para ser mal-entendido pelos maus brasileiros.

É só fazer, é só apresentar um plano para reerguer a economia, e não se escorar em reformas que têm conseguido apenas reduzir direitos dos trabalhadores, sem que o tal avanço econômico seja perceptível – para além das gordas cifras do rentismo – no desenvolvimento da indústria, na geração de empregos, no avanço da cultura, aquela que permite às pessoas ler mais e entender o que lê ou ouve.

Claro, isso obriga a quem fala ter o que dizer e saber articular. Pessoas de bem sempre produzem bem-entendidos.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: A foto que ilustra este texto é do Presidente Jair Bolsonoro, numa de suas constants entrevistas ao sair do Palácio da Alvorada. O autor é Antonio Cruz, da Agência Brasil.

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