Centenários
Por BIANCA ZASSO (*)
Antes de qualquer coisa, esta colunista informa que este foi um texto demorado. E isto não tem absolutamente nada a ver com o feriadão de carnaval, mas com a confusão interna causada pela perda de José Mojica Marins, ocorrida no dia 19 de fevereiro.
É natural que, seja pela idade avançada ou pela saúde debilitada, aguardemos a partida de alguns de nossos ídolos. Mas mesmo que esta que vos escreve soubesse do quão frágil estava o corpo de Mojica, ainda assim foi pega de surpresa.
Em tempos de trevas na cultura, pessoas como ele, mesmo não produzindo ou atuando como outrora, são muito importantes. E foi nos estudos para falar sobre um outro gênio que encontrei uma dúvida extra sobre esta perda ainda dolorida.
A maioria dos programas de TV e portais de notícias (fora os especializados no gênero terror) anunciou a morte de José Mojica Marins com foco em seu personagem mais popular, o coveiro Zé do Caixão, que surgiu na Sétima Arte brasileira no icônico À meia-noite levarei sua alma, filme de 1964.
Não há problema algum em exaltar uma criação quase folclórica, que não se deteve ao cinema e foi para a TV nos anos 90 com o inesquecível Cine Trash, uma sessão de filmes vespertina da Rede Bandeirantes que deixaria os conservadores atuais de cabelo em pé.
Mas a importância de Mojica para a cultura brasileira é muito mais profunda. No exterior, festivais de cinema fantástico não pouparam prêmios para o diretor e se hoje nomes como Rodrigo Aragão e Dennison Ramalho empolgam o público e inspiram novos realizadores, é porque Mojica foi lá antes e fez. Com grana do próprio bolso ou empréstimo dos amigos. Com produtores picaretas ou bancado por fãs. Mas fez, com criatividade e subversão únicas.
Por mais que, em nome do ibope e da imbecilização dos espectadores, muitos programas o exaltassem como uma espécie de palhaço, uma figura pitoresca feita para causar riso fácil. Só quem presenciou o inferno (literalmente) nas passagens em cores de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver sabe que não há graça nenhuma nessa abordagem.
Mas e a dúvida que me corroeu tanto quanto a perda de um dos meus diretores mais queridos? Eis a resposta: 2020 marca o ano do centenário de outro grande homem do cinema, o italiano Federico Fellini.
Mostras, retrospectivas, relançamentos e debates já acontecem em vários países, inclusive o Brasil, em louvor ao cineasta que foi do neorrealismo ao onírico com a mesma potência e que, mesmo as suas obras menos brilhantes, continua sendo uma referência para qualquer um que se arrisque a entender e a desfrutar mais o cinema. Assim como Mojica também o é.
Nas mesas onde pseudointelectuais exaltam Fellini entre um uísque e outro, tenho certeza que deve ter havido chacota pela morte de Mojica. Como se ele não merecesse a atenção que o mestre italiano merece.
Deve ser muito triste a vida de quem acha que é só na Europa ou nos Estados Unidos que se fazem grandes filmes ou daqueles que medem a inteligência pelo números de idas ao exterior ou ainda pelos “filmes franceses” que adoram e não pela diversidade que hoje, graças à tecnologia, está a um clique de distância.
Produções do Irã, da China, do Pará ou da nossa Santa Maria, todas disponíveis para desenvolverem nosso olhas sob o mundo, o cinema, as pessoas e nós mesmos.
O carnaval já passou, mas a minha fantasia de um mundo onde Fellini e Mojica desfilam juntos pela história da tela grande, gerando debate e não apenas um besta “gosto x não gosto”, eu não pretendo deixar nunca de usar.
Tem tantos verdadeiros palhaços que esqueceram de tirar as suas para assumirem cargos importantes, não é mesmo?! Esperamos que não levem cem anos para deixar o picadeiro.
(*) BIANCA ZASSO, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Suas opiniões e críticas exclusivas estão disponíveis às quintas-feiras.
Bolhas e deficiências argumentativas. Afirmações genéricas: filas gigantes mundo afora. Mesmo levando em conta que uma pequena tribo pode parecer gigante numa metrópole, basta deixar ela se reunir.
Bolhas e tribos. Se o Festival de Berlim a maioria da humanidade não vai dar a mínima.
Cinema nacional é fácil de resumir. Um bando de gênios incompreendidos correndo atrás de dinheiro público para cometer filmes cuja plateia, quase invariavelmente, não comparece.
O Cine Trash podia até não dar picos de audiência, mas formou toda uma geração de fãs de horror.
Sobre o esquecimento de Fellini, as filas gigantes nas retrospectivas de sua obra organizadas mundo afora afirmam o contrário.
E, para a sua informação, um dos selecionados para o Festival de Berlim desse ano foi feito no Pará, que possui uma das salas de cinema mais incríveis do país, com uma programação diversa e inteligente. Aliás, a associação de críticos de cinema mais antiga do país é a paraense. Lá se pensa e se faz cinema. Com estudo, luta e dedicação.
Parentesis. Programa TV Santa Maria. Entrevista com Bianca (alás, auguri) sobre o Oscar. Com notas de rodapé da claque (separação das cadeiras não mente). Analises melhores (mais razoáveis também) do que o texto (até por conta do espaço). Há também um toque de suspense, até o final do programa existe a expectativa: Abel vai levar um ‘pedala Robinho’ ou não? Alás, cerimonia de entrega do prêmio teve audiência reduzida em 20%. Ou seja, um pouco de politica não tem problema, showmício de um premio com critérios duvidosos não rola.
Zé do Caixão sempre foi mais comentado do que assistido. Virou cult para um nicho reduzido. Critica sempre torceu o nariz para ele.
Cine Trash não deixaria alguém de cabelo em pé. Primeiro porque não tinha audiência (preenchia espaço e saia quase da graça). Segundo porque perto do que existe hoje seria considerado cômico.
‘Conservadores’ é um balaio muito grande. Nelson Rodrigues, herói dos jornalistas, era considerado conservador. E, bastante humano, hipócrita. Alás, têm direito de existir, conceito estranho para alguns.
Pseudo intelectuais exaltando Felini (que quase ninguém assiste mais) em mesas regadas a whisky é ficção.
Pessoas não viajam para aumentar a cultura, o fazem para tirar selfies e colocar na rede social.
Irã e China fazem bons filmes. Pará e Santa Maria não contam, nestes lugares só existem, como dizem os ianques, ‘wannabes’. É possível afirmar sem medo de ser feliz.
Felini e Zé caminham de mãos dadas rumo ao esquecimento.
B38? Vai passar também. Mas os problemas estruturais irão se resolver, de uma forma ou outra.