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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo, futebol e o fim da torcida mista: “triste recorte da nossa civilização”

Civilidade e futebol ainda não combinam

Por MICHAL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

Eu me recordo bem a primeira vez que fui na “baixada melancólica” para assistir a um jogo de futebol. Era uma partida pelo campeonato gaúcho, entre Inter-SM x Grêmio Porto-alegrense. Além de poder ver de perto o time do Grêmio, o ambiente era totalmente novo para mim, pois estava acostumado a assistir aos jogos somente pela televisão e em preto e branco.

Entre as muitas imagens que ainda guardo na memória, há sempre uma que recordo quando a imprensa noticia as várias tensões criadas por torcedores adversários e até mesmo daqueles que torcem para o mesmo time. A torcida da casa, formada, é possível afirmar, absolutamente por homens, ao avistar um casal que procurava um local para sentar, levantou e, em coro uníssono, passou a ofender a mulher. Eu não entendia o porquê.

Lógico, com mais idade pude compreender que civilidade e futebol são substantivos que, desde aquela época, não podem ser pronunciados de forma harmônica. Hoje, as mulheres ao menos já conseguem ter presença nos estádios sem que isso possa lhe causar um constrangimento direto. Mas nem por isso elas recebem pleno respeito por parte dos homens. Os anos passam e o ambiente de um estádio de futebol permanece sendo belicoso e, a depender da situação, nocivo e excludente a determinado público. É a nossa realidade, em pleno século XXI.

Uma das iniciativas recentes que propiciou o exercício do respeito e harmonia entre as pessoas na arquibancada foi a criação do espaço a abrigar a torcida mista nos Grenais. Tido como um modelo que poderia ser reeditado em outros estádios pelo país, a torcida mista era formada por famílias inteiras que, por torcerem por times distintos, não podiam estar juntas no estádio.

Também amigos de longa data ou casais de namorados tinham a oportunidade de viver em um mundo onde uma partida de futebol é somente isso, uma partida de futebol. E não um evento em que todos têm que virar inimigos de morte.

No entanto, o Grenal histórico do próximo dia 12, além de ser o primeiro a ocorrer em uma Libertadores da América, marcará o fim dessa exitosa e civilizatória experiência. Esse capítulo na história das torcidas de Grêmio e Inter, agora fará parte do tempo em que um Grenal era marcado pelas cores vermelha e azul a irradiar por todo o estádio e não somente no campo.

Parece que quanto mais avançamos no calendário gregoriano, mais nossos hábitos e costumes se voltam para o passado. E o estádio de futebol reflete bem esse momento de “convulsão” social nas relações interpessoais, em que nos sentimos como se estivéssemos entrando no Coliseu de Roma, onde iremos encontrar gladiadores e animais selvagens.

O ambiente que deveria promover a diversidade e o respeito entre as pessoas, ainda é terreno fértil para quem deseja exteriorizar sua misoginia, racismo, e preconceito em relação a orientação sexual das pessoas, ou, simplesmente, ir xingar o juiz como se estivesse na sua casa.

Parece que o futebol tem que ser um espetáculo em preto e branco, e não um momento onde externar a paixão pelo seu time seja tido como algo natural a todas as cores e torcidas. Esse é um triste recorte da nossa “civilização”.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Observação do editor: a imagem é uma reprodução de internet (AQUI, no original)

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