Saúde

CRÔNICA. Orlando Fonseca e as trocas no Ministério da Saúde em plena pandemia do novo coronavírus

O ministro da Saúde, Nelson Teich e o presidente da Repùblica, Jair Bolsonaro, durante solenidade de posse no Palácio do Planalto

Escolhas

Por Orlando Fonseca*

A partir do desgaste com o ministro Mandetta, o presidente se viu diante da necessidade de uma nova escolha. E optou, segundo palavras do novo escolhido, aquele com perfil de “alinhado completo” com o governo. Uma das razões mais claras das diferenças entre o chefe do executivo e o antigo ministro é que este opou por seguir as orientações da OMS e tomar medidas segundo critérios técnicos. Na perspectiva de uma medicina humanista, a política pública recomendável, em um caso de epidemia, tem por base o princípio fundamental de primeiro salvar vidas, depois salvar a economia, aliás, como está fazendo a maioria dos países. Aqueles que tentaram afrouxar as regras de isolamento tiveram de voltar atrás e amargaram a perda de muitas vidas. A política, já disse alguém, é a arte de fazer escolhas. E aí é que mora o perigo em nosso país, em meio à maior pandemia já experimentada pela humanidade.

Primeiro o presidente escolhe demitir um Ministro que, até prova em contrário, estava se desincumbindo a contento à frente de seu ministério, inclusive com 75% de aprovação da população. Em segundo lugar, escolhe para a espinhosa função um médico, com largo conhecimento na rede privada, mas que deixa todos (que têm) de cabelo em pé, um gestor com a visão de saúde como mercadoria. E para isso há um vídeo, gravado em abril do ano passado, circulando nas redes sociais, no qual Marcelo Teich afirma textualmente: “Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas, vai ter que definir onde você vai investir. Tenho uma pessoa mais idosa, que teve uma doença crônica, avançada, e teve uma complicação. Para ela melhorar, eu vou gastar praticamente a mesmo dinheiro que vou gastar para investir em um adolescente, que está com um problema. O mesmo dinheiro, é igual, só que essa pessoa é um adolescente que tem a vida inteira pela frente e a outra pessoa idosa que pode estar no final da vida.”

Não dá para esquecer o que o Presidente declarou, quanto às medidas de isolamento social, em coletiva à imprensa, diante de sua claque na saída do Planalto: “Deixem os pais, os velhinhos, os avós em casa e vamos trabalhar. Algumas mortes terão, mas acontece, paciência”. Por aí se pode entender a extensão do que significa, ao novo ministro, “alinhamento completo” com as ideias do governo federal. Escolhas, e para o médico oncologista, com MBA em Gestão de Saúde, mestrado em Economia na Universidade de York, sócio da Teich Health Care – consultoria de serviços médicos, significa, em outras palavras, que o idoso é descartável. Visão mercadológica de um direito básico, constitucional: saúde. Nesse caso, o profissional em seu ato médico, não estaria incorrendo em dolo eventual, deixando à morte um paciente?

E como ficaria o seu erro médico, quando no futuro, ao ser avaliada a vida do jovem, ver que ele não significou o investimento esperado?

Eu me pergunto, se um colega intensivista o consultasse sobre qual dos dois teria de morrer, o pai dele ou o namorado da filha, tal médico teria a mesma postura isenta? O certo, e por isso o temor, é que, na condição de gestor do sistema, o novo ministro precisa encaminhar mudanças que eliminem a necessidade de escolha. Pelo currículo, percebemos que sabe como lidar com a gestão de saúde na medicina privada, no entanto, o Sistema Único de Saúde (SUS), sustentáculo do esquema público que coordena hospitais federais e municipais, é muito diferente. Apenas como exemplo, no Rio já existe fila de espera em UTIs da rede pública: do total de 619 leitos que a Prefeitura administra pelo SUS, apenas oito estão disponíveis no momento, todas para internação de crianças, segundo dados do Ministério da Saúde.

Pensando em uma medicina humanista, em caso de ser premente a opção, vale quem chegou primeiro, tanto no que se refere à Unidade de Saúde, quanto na própria vida. Economia e Saúde, nesses casos, não são duas coisas complementares, e tratá-las como se fossem apenas itens do mercado vai levar muito mais gente à morte do que o próprio vírus.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Na foto, a posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, com o presidente Jair Bolsonaro. O registro é de Marcello Casal Jr / Agência Brasil.

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Um Comentário

  1. Mandetta é ortopedista. Pediátrico. Vem de família de políticos, parecido com o Caiado.
    Tirando o mimimi de lado, o que alterou na pratica? Nada. Talvez as coletivas diárias tenham cessado. No mais é distribuição de escassos recursos. Intermediação com governos estrangeiros para suprimentos é das Relações Exteriores.
    Cavalão imita Trump. Rede Globo tenta imitar a CNN (diferença são os jornalistas nó-cego opinando sobre tudo). Brasil é muito grande, condições são muito diferentes. Quem toca as medidas de contenção da pandemia são os governadores. Faturam na ‘salvação de vidas’. Perderão na crise econômica. Simples.
    Midia é um caso a parte. Nos EUA a conclusão é que Trump será julgado na próxima eleição pela maneira que conduziu o enfrentamento a pandemia. Detalhe que o sistema federativo é muito mais forte por lá. Logo a ‘narrativa’ é que Trump demorou para tomar atitudes, gente morreu por culpa dele, etc. tudo o que ‘deu errado’ é responsabilidade do presidente. Candidato democrata (com 77 anos e apresentando sinais de senilidade, se perde quando fala de vez em quando) ‘é a salvação da lavoura’.
    No mais a diferença é filosófica. Há que se enfrentar o mundo como ele é, não como gostaríamos que fosse. O que nos acontece está, grande parte, fora de controle. Como reagimos está sob nosso controle. Simples.

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