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CRÔNICA. Orlando Fonseca e o mundo em 10 anos: mudança, rapidez, o Plano de Educação. Ah, e o vírus

O vírus do tempo                 

Por ORLANDO FONSECA (*)

Quando em 2010, nas discussões sobre o Plano Nacional de Educação, pensava sobre as metas a serem alcançadas a partir de 2020, visualizava um tempo remoto no futuro. Não conseguia, sequer, colocar a minha rotina naquele tempo vindouro. Conseguia construir uma realidade para o país, em relação a circunstâncias abstratas, como números de diplomados e vagas no Ensino Superior, mas não me imaginava fazendo qualquer coisa, ou como o dia a dia poderia se desenrolar.

Aliás, sequer me imaginava aposentado, naquele momento exercia o cargo de Pró-Reitor de Graduação na UFSM. Mudou o país, e as metas foram para o saco; mudou o mundo, e este 2020 é em tudo diferente do que eu pudesse imaginar. Nada de distopias delirantes: apenas um microrganismo veio para bagunçar tudo, passado, presente e futuro.

A bem da verdade ainda não consegui, em minha cabeça, entrar na terceira década do século XXI. Vivi tantos anos da minha vida no século passado e quase tudo que leio hoje sobre o mundo, sobre a natureza humana se referem ao século XX, de modo que o atual, início do Terceiro Milênio, ainda está a dever coisas para se mostrar como o tempo da minha realidade.

Se, conforme Ortega y Gasset, eu sou eu mais a minha circunstância, sei muito bem quem sou, mas a tal da conjuntura ainda não se estruturou de todo. E olha que já vivemos 20 anos desta época plena de realizações. Teve um começo conturbado, que em termos de geopolítica, deu uma transformação brutal, com o ataque das Torres Gêmeas, em 2001.

Também houve uma esculhambação geral na economia, em 2008, que derrubou bancos e seguradoras ao redor do planeta, numa crise financeira igual ao big crash de 1929. As comunicações se sofisticaram, com o sistema de GPS, os smartphones, com a internet, e as redes sociais conectaram todo mundo. O que gerou também efeitos colaterais, como as fake news e o terraplanismo. Quer dizer, não era isso que vivemos agora o que eu já pensei para o tempo de um novo século.

A realidade é uma pandemia jamais vista em nosso planeta. Sim, já houve peste negra na Idade Média, peste bubônica no século XIX, gripe espanhola em 1918, vírus ebola, AIDS, H1N1 na segunda metade do século passado. Entretanto, com a força devastadora da Covid-19 sentida em todos os continentes, é a primeira vez.

Que os vírus sejam seres muito mais antigos que o homo sapiens, já sabemos. Por força do conhecimento adquirido com a evolução de nosso cérebro e da nossa capacidade de superação. Porém, ainda estamos vulneráveis às forças da natureza em razão de nossas fraquezas. E não falo em termos de condição física, mas especialmente mentais, comportamentais.

O egoísmo, a ganância, que geram assimetrias sociais e culturais, são capazes de produzir perturbações globais, como vemos. Conectamos o planeta, interligamos as relações econômicas e diplomáticas, de tal maneira que o vacilo de um, de apenas um ser humano, pode afetar de modo devastador a humanidade inteira. Ou aprendemos com isso, ou estamos fadados a desaparecer como os dinossauros.

E há dez anos imaginava um tempo completamente diferente para esta quadra. Dez anos, um tempo ínfimo para a Terra e seus habitantes, mas um longo tempo para uma pessoa. Alimentava a esperança de, no Brasil, começarmos a vencer a dificuldade de acesso ao ensino superior para 80% dos jovens compatriotas. Nosso país estaria consolidado entre as maiores economias do mundo, com a exploração do pré-sal.

O país entraria numa rota de desenvolvimento capaz de garantir renda e emprego para a grande maioria dos brasileiros. As tecnologias de informação estariam ao alcance de todos, com sistemas de wi-fi em todo lugar. Com os programas de saúde pública, teríamos erradicado a maioria das grandes enfermidades.

No entanto, aliado às perturbações políticas no meio do caminho, com o avanço da pós-verdade e a ascensão do Sem-Noção ao poder (veja-se Trump e seus epígonos), veio o coronavírus e sepultou definitivamente a minha ingênua expectativa de que entrássemos – como queriam os hippies – na era de Aquarius. Ou seja, ainda temos um passado pela frente.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: A foto (sem autoria determinada) publicada originalmente AQUI, é da abertura da Conferência Nacional de Educação de 2010, que trataria justamente do Plano Nacional de Educação referido pelo cronista.

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2 Comentários

  1. Gripe de 18 foi muito pior. . Covid tem RP melhor.
    Se alguém disser que sou ganancioso ou egoísta vou ignorar. Por que se preocupar com julgamento moral dos outros? Alas, única qualidade moral que não pode ser fingida é a coragem física.
    Progresso da ‘civilização’ é ideológico e a humanidade não tem compromisso com as expectativas de ninguém.
    80% de diplomados visando desenvolvimento é c@g@d@. Desenvolvimento obviamente não veio e muitas profissões se abastardaram. Copiamos Cuba, até nossos motoristas de Uber são advogados e engenheiros. Projetos olhando pelo retrovisor e não para frente.

  2. Ortega y Gasset escreveu que o especialista era alguém que ‘conhecia’ bem seu pequeno canto do universo e ignorava o resto. Não um culto por conta da ignorância das outras áreas, não um ignorante porque é ‘cientista’ e ‘domina’ seu cantinho. Comentou também a utilização do método cientifico de forma mecânica por pessoas despreparadas em objetos de estudo extremamente especificas. Resultado, ‘profetizado’, é o que se vê. Por estes e outros motivos apareceu a ‘interdisciplinaridade’, em alguns lugares para inglês ver, noutros pura picaretagem acadêmica.

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