EducaçãoPolítica

ARTIGO. Leonardo da Rocha Botega e a defesa das nossas Universidades, tão atacadas por seus avanços

A Universidade Pública para além do autoritarismo e dos projetos de poder

Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)

As primeiras experiências de Ensino Superior no Brasil ocorreram em 1808, com a vinda da família real, quando foi fundada a Faculdade de Medicina da Bahia – FUMEB. No mesmo ano, foi fundada, no Rio de Janeiro, a Escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina, a atual Faculdade de Medicina da UFRJ. Desde então, o país passou a possuir Escolas Superiores isoladas ao longo do território nacional. Porém, a grande maioria dos bacharéis ainda se formava na Europa. Em 1822, ano da Independência, o Brasil possuía aproximadamente 3.000 bacharéis formados na França, na Inglaterra e em Portugal, a maioria na Universidade de Coimbra.

Entre o final do século XIX e o início do século XX, alguns destes bacharéis disseminaram faculdades especificas pelo Brasil: Porto Alegre (1897), Belo Horizonte (1911) e Curitiba (1913). Porém, a primeira Universidade Brasileira, no sentido politécnico do termo, foi criada em 1920: a Universidade do Rio de Janeiro, que posteriormente se chamará Universidade do Brasil, deslocada para Brasília quando da mudança da capital do país. Territorialmente, essas iniciativas se concentravam nas capitais. Somente em 1961 foi fundada a primeira Universidade no interior do Brasil: a Universidade Federal de Santa Maria.

Em comparação com outros países do Continente Americano, a Universidade brasileira é uma realidade tardia. A primeira universidade fora da Europa foi a Universidade de São Domingos, criada em 1538. Na América Espanhola, universidades também foram fundadas em San Marcos – Peru (1551), na Ciudad do México (1553), em Bogotá – Colômbia (1662), em Cuzco – Peru (1692), em Havana – Cuba (1728) e em Santiago – Chile (1738). Na América do Norte, as primeiras universidades, Harvard, Yale e Filadélfia, surgiram respectivamente em 1636, 1701 e 1755, ou seja, quando ainda existiam as Treze Colônias Inglesas na América.

Para além do seu caráter tardio, a universidade brasileira teve um enorme perfil elitista ao longo de sua história. Em seus primórdios era um espaço para a formação dos “doutores” originários das ricas famílias oligárquicas (a Lei do Boi garantia “cotas” para os filhos dos fazendeiros). Uma realidade que, em essência, não se modificou muito ao longo do século XX, apesar de algumas parcas tentativas de mudança. A proposta de uma universidade mais democrática e popular de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro foi abortada pelo Golpe de 1964. Em contraposição a essa, a Ditadura Civil-Militar decidiu adotar uma cópia empobrecida do sistema norte-americano com o Acordo MEC-USAID, firmado em 1967.

Uma maior popularização do acesso ao Ensino Superior público no Brasil somente voltaria a pauta no início do século XXI. O Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais instituído em 2007 e a adoção das cotas promoveram um avanço no acesso às Universidades públicas. Um pequeno avanço, mas um avanço. Paralelamente a sua popularização, mais uma vez, a Universidade voltou a ser alvo de críticas, sobretudo, a partir do recente crescimento do conservadorismo.

Acusadas como “local de balbúrdia” e de “plantações de maconha” por quem, ao invés de gerir a educação brasileira, prefere agir como animador de grupo político fascistizado, as Universidades públicas se tornaram a “Geni” a ser apedrejada. Para alguns, parece ser irrelevante o fato de que elas realizam 95% das pesquisas cientificas brasileiras ou de que muitas pessoas pobres somente têm contato com alguma política pública a partir dos trabalhos realizados nessas. Para alguns, ver o filho da empregada doméstica virar doutor é um contrassenso. Boa parte dos ataques às universidades escondem um desejo de casta. Um desejo de negação de cidadania.

A Universidade Pública, gratuita e de qualidade não pertence a nenhuma casta, tampouco é um instrumento mercantil como propõe o projeto Future-se. A Universidade pública, gratuita e de qualidade não pertence a nenhum governo ou partido político. É um patrimônio do povo brasileiro. Por isso é fundamental respeitar sua autonomia e sua democracia e não tentar transformá-la em aparelho de projetos de poder ilimitado, como tem tentado o atual governo. Autoritarismo e interesses mesquinhos não combinam com locais de saber e de afirmação da cidadania.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do editor: A foto que ilustra este artigo é do “Ato em defesa da Educação Pública”, ocorrido em 15 de maio de 2019. Sua autora é Bruna Homrich, da assessoria de imprensa da Sedufsm.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Um Comentário

  1. As coisas convergem para se tornar o que são. A desculpa é sempre a mesma, ‘universidades públicas realizam 95% das pesquisas brasileiras’. A parte do ‘mais de 80% acontece no sistema estadual paulista’ fica de fora. A parte do “90% das pesquisas é irrelevante, tem resultados sem aplicação nenhuma ou simplesmente serve para ‘esquentar ideologias'” também fica de fora. A realidade da universidade pública brasileira é bem evidente, poucas ilhas de excelência e um oceano de sub mediocridade.
    Coisas que podem ser classificadas de ‘óbvio ululante’. Universidades tupiniquins precisam de reforma urgente. Instituições preparam profissionais para atuar no século XX. Segundo: não há garantia nenhuma que daqui 20 anos um diploma universitário vá valer alguma coisa.
    Vai acontecer? Não. Universidades estão na mão da corporação acadêmica. Noutro dia um ‘pesquisador’ dava entrevista na Band. Segundo ele as universidades brasileiras não tem nada de errado. São o que existe de melhor na galáxia. É tudo um ‘problema de imagem’, ‘a população precisa se interar da excelência da universidade brasileira, do trabalho que é realizado’. Sem problema. Pode-se enganar a todos por algum tempo. Pode-se enganar a todos por algum tempo. Pode-se enganar alguns por todo o tempo. Mas não se pode enganar a todos o tempo todo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo