CRÔNICA. Orlando Fonseca e a agenda do ano que, passada já a metade, vai girar em torno de um vírus
Agenda 2020
Por ORLANDO FONSECA (*)
Um dos memes que circularam pelas redes sociais, semana passada, chamou minha atenção: “se você acha que já gastou dinheiro à toa, imagina quem comprou agenda 2020”. Claro, como tudo o que comporta humor, trata-se de um exagero. Acontece, porém, que há um fundo de verdade nisso, e que reflete aquilo que está tomando conta da impressão geral.
Esse ano está perdido. Nesta semana atingimos o final da primeira metade, e a que começa não aponta para coisas muito definidas. Como serão retomadas as atividades escolares e universitárias? Quando poderemos fazer compras no supermercado e comércio em geral, sem o temor de contágio? Quando é que volta o futebol?
Não temos como planejar, sequer, como serão as festas de fim de ano, quanto mais colocar na agenda algum compromisso para o mês de setembro. Certo é que ninguém marca na agenda um distanciamento. O normal é que se o faça como aproximação, ou seja, pelo nome mais comum: encontro. Este é um ano de poucos encontros, e falando em conjuntura, de muitos desencontros. Agenda para quê?
Muitas pessoas que, como eu, levaram a sério o isolamento social, estão nesta condição desde o começo da segunda quinzena de março. Já se passaram mais de cem dias, desde então. Levando em consideração que os dois primeiros meses são de férias, e que tudo volta à normalidade depois do carnaval – que neste ano foi no dia 24 de fevereiro – naquele período os compromissos oficiais estiveram muito reduzidos.
Que eu me lembre, nos poucos dias em que o Brasil voltou ao seu ritmo normal, a coisa mais específica do calendário oficial que realizei foi a compra do material escolar com minha filha. Aliás, que fez pouco uso nos dias em que esteve presencialmente numa sala de aula.
Desse modo, é possível dar razão à anedótica constatação das redes sociais. Alguém que tenha tido o cuidado de comprar uma agenda, no início do ano, cheio de expectativas, ou que tenha sido agraciado com alguma de presente no Natal, com certeza, agora olha desolado o objeto sem uso.
Bem, nesse caso é preciso que a pessoa ainda esteja entre os que escrevem de próprio punho, com letra cursiva. Ainda os há, e conheço muitos. Ressalve-se que a maioria das pessoas que migraram alegremente para as plataformas digitais não tem o menor problema de acionar suas agendas eletrônicas nos celulares ou computadores pessoais.
Bem antes de me aposentar, portanto de diminuir compromissos profissionais, já não conseguia usar esse material eletrônico. Por outro lado, usava a minha agenda para anotar (diga-se, escrever com caneta) o tema ou início de uma crônica – quando não uma inteira; trechos de poemas, ideia para uma letra de música. De forma que usei muita agenda na vida, sim, para tudo, menos para marcar reuniões ou encontros.
Já há algum tempo, depois que ganhei do meu filho uma caderneta Moleskine, passei a carregar esta ferramenta para todo lugar, a fim de fazer anotações de coisas importantes – medida salutar para proteger a memória dos efeitos colaterais da passagem do tempo, também para não dar tréguas à imaginação.
E este ano tinha tudo para ser um ano memorável, não pelo que realmente tem apresentado para o Planeta e para a humanidade. Agenda 2020 (Agenda vinte-vinte) é um bom nome para grandes projetos, algo fácil de guardar e bonito de ver em sua constituição numérica.
Entretanto não será difícil lembrar de seu transcurso, e nem precisaremos de bloco de anotações para isso. Metade de seus 366 dias – isso mesmo, um ano bissexto, ainda por cima – já se passou, e tudo o que vamos guardando tem a ver com a sobrevivência: distanciamento, máscaras, álcool gel, achatamento da curva de contágio, leitos de UTI, uso de cloroquina, descarte do uso de cloroquina, entra ministro, sai ministro, e os números atualizados da Covid-19.
Aliás, esse nome nos parecerá, no futuro, que demos um passo atrás, ou que patinamos no tempo: 19? Mas o ano não era dois mil e vinte? Será que ainda vamos rir de tudo isso?
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.
Observação do editor: A imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.
Otimismo, autor acredita que somente 2020 vai gerar em torno do vírus.
Agenda é importante não só para compromissos, até porque a maioria, bagrinhos, não tem tantos assim. Quem trabalha na iniciativa privada, pelo menos alguns, tem o hábito de anotar problemas, soluções, tarefas realizadas, tarefas extraordinárias. Motivo simples, quando o chefe chamar para fazer um ‘controle’ (o que você fez na semana passada?) ou uma avaliação de desempenho é importante não confiar somente na memória. Pode ‘dar um branco’ ou a criatura pode ‘colar as placas’ e daí, para alegria do patrão, um pontou (ou mais) na hora do aumento/promoção. Sem falar na carraspana.
Moleskine fazia tempo que não ouvia. Bom usar com caneta tinteiro. Esfereografica está para a tinteiro como a SongYang está para a Mercedes. São parecidos, desempenham a mesma função, mas as diferenças são evidentes.
Já assisti a queda do Muro de Berlin, duas ou três bolhas econômicas estourarem, hiperinflação, 11 de Setembro, Kiss, vestais indo parar na cadeia por corrupção (antigamente eram enterradas vivas), o Brasil atingir a inviabilidade completa e pandemia.
‘Que você viva tempos interessantes’, a maldição chinesa é verdadeira.