ARTIGO. Valdeci Oliveira critica proposta de reforma tributária do governo gaúcho: penaliza quem trabalha
“Reforma” de Eduardo Leite exala injustiça e desigualdade
Por VALDECI OLIVEIRA (*)
Não bastassem todos os dramas vividos pelas famílias gaúchas desde o início da pandemia da covid-19, um novo ingrediente está prestes a ser incluído neste já caótico cenário de incertezas: um remendo tributário que poupará – novamente – os grandes e jogará todo seu peso sobre os ombros de quem produz e, principalmente, de quem trabalha.
A proposta que o governador Eduardo Leite chama de “reforma tributária”, na prática eleva impostos sobre a produção e o consumo, cujo reflexo será a carestia dos alimentos, a queda no faturamento dos micros, pequenos e médios empresários, a ampliação do fosso entre ricos e pobres e o achatamento da classe média.
Mesmo desconfiado, quando do anúncio feito inicialmente pelo governo, eu esperava outra coisa, pois as poucas informações apresentadas traziam junto termos como redistribuição da carga de impostos, retomada da atividade econômica, revisão de benefícios fiscais, redução dos ônus às famílias, modernização da administração, transparência e cidadania, tudo embrulhado pelo mote tributação menor sobre o consumo e produção e mais sobre o patrimônio.
Mas não deu outra. Assim como o ministro do Meio Ambiente que chocou o Brasil na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, o governo estadual está aproveitando um momento de uma drástica crise sanitária e de saúde pública para passar “a boiada”. Leite busca aprovar as medidas de um assunto complexo e fácil de ser manipulado utilizando o método de “dar com uma mão e retirar o dobro com a outra”.
Na vida real, o governador retira isenções de produtos essenciais como leite, ovos, pão e hortifrutigranjeiros e aumenta de 7% para 17% os impostos cobrados sobre a cesta básica de alimentos, o que tornará mais caros produtos como açúcar, farinha de trigo, cebola, feijão, peixes e carnes. E aumenta no mesmo índice os impostos de medicamentos.
Como se não bastasse, amplia a alíquota do gás de cozinha, de 12% para 17%, produto essencial para as famílias. As micro e pequenas empresas, que são as que mais geram empregos, também sentirão no lombo as “chicotadas governamentais”. A reforma praticamente acaba com o Simples Gaúcho, reduzindo a faixa de isenção de uma receita bruta de R$ 360 mil/ano para R$ 180 mil/ano e extingue a redução adicional sobre o ICMS a ser pago pela tabela do Simples Nacional. Ou seja, a carga tributária aumenta mais nas menores faixas de faturamento.
No IPVA, além de uma redução no desconto para os bons motoristas que ultrapassa os 60%, um crescimento perto de 17% na alíquota de automóveis e camionetes. E sofrerão um aumento brutal os donos de carros com mais de 20 anos de uso, que hoje estão isentos. Se tratam de pessoas que dependem de veículos antigos para trabalhar, como pedreiros, pintores, agricultores e prestadores de serviço, entre outros, que passarão a recolher a alíquota integral. Isentos apenas aqueles com mais de 40 anos, ou seja, peças de colecionadores que certamente não as utilizam para o sustento de suas famílias.
Sim, é um tema chato de acompanhar e, como disse, fácil de ser manipulado. Um exemplo disso é a tal devolução do imposto pago pelos mais pobres. Para a faixa mais vulnerável, que são as famílias com renda de até um salário mínimo, o “retorno” vai girar entre R$ 30 e R$ 61,46. E só terá direito quem preencher requisitos como colocar o seu CPF nas notas fiscais em todas as compras, estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico) e possuir CPF registrado no site do Nota Fiscal Gaúcha. Para se ter uma ideia, dos 1,8 milhão de beneficiários do Auxílio Emergencial no RS, 1 milhão sequer existe para o CadÚnico.
Senhor governador, de forma respeitosa, lhe pergunto: que pessoa tem condição de atender a todos os requisitos para receber de volta alguns reais de um ICMS que antes ela não pagava? Quantas ficarão sem a contrapartida, mas pagarão mais impostos com a revogação da isenção e aumento da cesta básica? Como gerar crescimento econômico tirando o apoio dos pequenos e médios empresários? Como fazer justiça cobrando dos pobres e, proporcionalmente, aliviando os ricos em um cenário socioeconômico já adverso e que irá piorar ainda mais em breve.
E para essas propostas, a não ser que ocorram significativas mudanças, já adianto que lutarei com todas as minhas forças para que não sigam em frente. Já deflagramos essa luta com a aprovação de um requerimento, junto à Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa, que prevê a realização de uma audiência pública para debater e denunciar isso que chamo de um ineficiente e injusto “remendo tributário”.
Governador, após sua plena recuperação do coranavírus, que desejo que seja rápida, sugiro que deixes a confortável ala residencial do Palácio Piratini e, usando máscara, álcool gel e mantendo o distanciamento recomendado, percorras as vilas carentes, observes a realidade dos pequenos comércios e converses com os agricultores familiares. Se topares o conselho, tenho certeza: não levarás adiante uma reforma que exala injustiça e desigualdade.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287
Observação do editor: a foto (sem autoria determinada) que ilustra este artigo é uma reprodução da internet.
Engraçado, só se vê parlamentares do PT defendendo os interesses dos de baixo e estes, na sua grande parte, sistematicamente, votam contra aqueles que os defendem. Cabe aí uma reflexão: se há caus, de quem será a culpa e quando a injustiça vai acabar?