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ARTIGO. Michael Almeida Di Giacomo, “trainees” do Magazine Luiza e, outra vez, o tal de racismo reverso

Racismo reverso, uma narrativa falsa

Por MICHAEL ALMEIDA DI GIACOMO (*)

A divulgação da empresa Magazine Luiza, de que seu programa de trainees para 2021 será direcionado somente para pessoas negras, alimentou um “debate” nacional, via redes sociais, e trouxe à baila, mais uma vez, a dicotomia de posições políticas sobre temas que envolvem questões raciais.

Uma das vozes mais eloquentes a se manifestar contra o programa foi o conservador de direita, Fernando Holiday (Patriota-SP). O vereador, que certa vez foi chamado por Ciro Gomes de “capitãozinho do mato”, prometeu acionar o Ministério Público contra o programa da empresa. Ele afirma que a iniciativa tem um viés racista.

Outra manifestação muito comentada foi feita pela Juíza do Trabalho de Minas Gerais, Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza Mendonça, que foi enfática: “Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível […] Na minha Constituição, isso ainda é proibido”.  O comentário da Juíza ficou poucas horas on-line no Twitter e foi deletado no meio da tarde de sábado.

Nessa “discussão” surgiram muitos outros a caracterizar o programa de trainees da Magazine Luiza como sendo racismo reverso. Esse é um conceito invocado por maiorias, a fim de denunciar atos de discriminação e preconceitos realizados por minorias, exatamente contra as maiorias. É um contraditório. Uma narrativa falsa.

Os conservadores usam esse conceito, por exemplo, contra ações afirmativas na seara pública, ao dizer que são nada mais que um tratamento preferencial às minorias.

Reconhecem que as ações têm por fundo uma reparação às explorações ocorridas no passado, as quais, as maiorias contemporâneas, dizem em nada terem contribuído. No entanto, não reconhecem que a estrutura social resultante dessa exploração os coloca em melhores condições de ocupar espaços públicos ou privados.

Todo esse imbróglio sobre a ação da empresa poderia ser analisado pelo viés jurídico, pois há legislação consolidada a tratar da matéria, inclusive norma técnica do Ministério Público do Trabalho. Eu, particularmente, prefiro aferir o fato a partir de sua essência política, do significado para o tempo em que vivemos.

E, nessa contribuição, é preciso ressaltar a coragem na mudança de rota da empresa, pois há em seu quadro de funcionários um número de 53% de pessoas negras ou pardas, sendo que somente 16 % ocupam cargos de liderança. É o reconhecimento de uma anomalia na sua própria estrutura funcional.

Não é de se descartar que, no âmago do ato, esteja a própria evolução da forma como a liderança maior da empresa passa a perceber e absorver as mudanças sociais ocorridas nos últimos anos, as quais parecem ter uma força motriz avassaladora nesse início de século.

Um outro fator a consubstanciar a efervescência do “debate” é o fato de que os programas de trainees são direcionados para uma parcela da elite acadêmica. É formado essencialmente por bacharéis e oportuniza ao profissional começar uma carreira logo no topo da pirâmide, com um alto salário.

E nessas escolhas, curiosamente, mesmo com depoimentos de pessoas negras que participaram de muitos processos seletivos, praticamente não há negros aprovados. Quase inexiste.

É difícil dissertar sobre o comparativo entre o curriculum vitae de um negro e de um branco, pois para tanto seria necessário ter acesso a eles. Porém, é possível afirmar que se a pessoa se inscreveu para o processo seletivo, no mínimo atendeu aos requerimentos postos nos editais. Ou seja, em termos gerais, iniciou em igualdade de condições.

Por isso, não é surpresa que uma determinada casta social fique receosa com ações afirmativas ao estilo da empresa “Magalu”. É um nicho laboral, ocupado basicamente por pessoas brancas, que começa a ser desnudado.

Mesmo sem saber se haverá uma discussão jurídica a respeito, eu acredito que o diálogo coerente e leal sobre a matéria trará bons resultados. É a partir de rupturas como essas que a sociedade avança. A história da humanidade não nos deixa dúvidas a esse respeito.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Observação do editor: A imagem (sem autoria determinada) que ilustra este artigo é uma reprodução de internet e pode ser encontrada, no original, neste site: AQUI

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