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Os rolezinhos e a segregação dos shopping centers – por Atílio Alencar

Fenômeno dos mais debatidos nas semanas recentes, os rolezinhos – como são chamados os encontros entre jovens das periferias de São Paulo e Rio de Janeiro, convocados via redes sociais e realizados dentro de shopping centers – vem trazendo à tona o que há de pior em termos de racismo e preconceito dissimulados entre nós.

Já nas primeiras ocorrências desse evento que têm se espalhado também por outras cidades, ficava evidente o desconforto de vários setores da sociedade em lidar com toda e qualquer manifestação de origem suburbana. Desconcertados pela constatação de que, apesar dos milhares de meninos e meninas que ocupavam festivamente os corredores dos shoppings, nenhum furto ou ato de violência havia sido registrado, ainda assim os jornais carimbaram logo um ‘arrastão’ em letras garrafais e tom de alarme nas manchetes.

O motivo para tanto alarde, embora não assumido fora das entrelinhas, é um só: no imaginário das classes médias e altas brasileiras, gente preta e pobre reunida em espaços reservados ao convívio dos brancos é um abuso intolerável. Caso para a polícia resolver.

Quem entre os brancos nascidos no Rio Grande do Sul nunca ouviu dos parentes mais velhos a lembrança dos tempos em que os pretos não entravam em ‘baile de gente direita’? Pois é. Estamos falando da mesma e persistente lógica racista – apenas revestida, nesse caso, por uma roupagem nova: se não podem consumir o que a ‘gente direita’ vende, o que querem rondando nossas vitrines?

Em resposta aos curiosos ‘arrastões’ sem roubo, as direções dos shoppings não tardaram em lograr junto à justiça as medidas legais que restituiriam, enfim, os limites entre o ‘direito e o errado’. Medidas legais, claro, que só podem ser entendidas como tal se aceitamos a conveniente relatividade das leis e suas variações de acordo com os merecimentos de classe.

Alguém lembrou, com muita precisão, que encontros festivos não-autorizados pelos administradores dos shoppings não são novidade. Mas quando realizados por jovens brancos de classe média, são chamados de flash mobs, e não costumam despertar a repressão policial. Crime ou arte, aqui, são noções que variam de acordo com a aparência e o orçamento familiar dos autores.

Não deixa de ser uma recorrência cínica o amparo legal concedido às vítimas de crime nenhum. Trata-se de prevenção contra suspeitos bandidos, que o são independente do histórico de registros policiais, mas pela sua condição de moradores das periferias. São condenados a constar nos arquivos criminais do futuro, mesmo que seu único delito tenha sido herdar a pobreza que lhes foi imposta – e responder aos estímulos da publicidade. Os desdobramentos dessas desautorizações, claras manifestações de segregação, não são difíceis de imaginar, se levamos em conta o calendário de megaeventos dos próximos anos e a necessidade de oferecer cartões postais limpos para os turistas do hemisfério norte.

O que mais surpreende no surto dos rolezinhos, entretanto, não são as velhas formas de discriminação, mesmo que com máscaras renovadas. O que surpreende é um certo consenso moralista entre esquerda e direita tradicionais, quando concordam – mesmo com argumentos diversos – que os pobres não deveriam estar ali. Que aquele lugar não lhes pertence, afinal.

Entre os conservadores, grassa a ideia de que esses subcidadãos não merecem frequentar um shopping center, a não ser na condição de empregados mal remunerados; entre os ditos progressistas, a equação se inverte, e são os shoppings que não merecem a presença dos filhos de trabalhadores assalariados. Eles deveriam estar em alguma biblioteca pública ou praticando esportes em algum parque urbano, dizem.

Perceba que, de ambas as perspectivas, os pretos e pobres não devem entrar nos templos de consumo. Seja pela perversa cartilha da exclusão capitalista, seja pela paternalismo de esquerda que sabe, mesmo sem nunca ter pisado os pés numa favela, o que é melhor para os jovens suburbanos.

Enquanto isso, os rolezinhos seguem ostentando seus pequenos atos carnavalescos de desobediência civil. Sem dar explicações aos sabidos, nem temer o chicote dos feitores.

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4 Comentários

  1. “Mas o “rolezinho” não é, como querem os profetas progressistas da Vila Madalena (ou do Leblon, ou de setores do governo), a expressão máxima do oprimido. É uma molecagem que, com boa vontade, poderia ser vista como saudável na origem, mas está fadada a se perder.” igor gielow Folha de S. Paulo

  2. O problema dos rolezinhos não tem nada haver com racismo. Nos comentários abaixo já explica um dos problemas dos tais rolezinhos. Só fico pensando, por que não fazem um rolezinho numa Biblioteca? Em um curso? Estudar? Pra que né? O povo pode ficar mais esperto e deixar de ser usado como massa de manobra pra político.

  3. Muito pouca notícia. Muitos pareceres jurídicos. Muita politização. Muita gente tentando encaixar um fato novo em teorias antigas.
    Santa Maria também tem seus problemas com a juventude. Quando se reúnem para beber cerveja e escutar música na rua, aos montes, são problema. Quando ocorrem os trotes são problema.
    E, se 6 mil pessoas entram de repente num shopping que não está preparado, a segurança fica prejudicada. Inclusive o plano de prevenção para incendios perde a eficácia. Imagine se no meio daquela confusão toda alguém resolve acionar o alarme contra incendio como ocorreu num shopping da aldeia? Como evacuar todo aquele povo?

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